Prova da existência da

solução de Euler e algumas novas propostas para a fatoração de inteiros

 

Almir Paz de Lima

Dep. Eng. Produção

UFF – Niterói / RJ

 

RESUMO:

 

Prova-se a existência da solução de Euler para a fatoração de inteiros e propõe-se um enfoque que permite tratar, com vantagem, vários métodos de fatoração existentes, via um paralelismo natural na busca de soluções.

Anuncia-se a generalização da fatoração de Fermat para números poligonais e a próxima conclusão da generalização do método de Euler para os mesmos números.

 

 

1 – Fatoração de Euler

 

Seja n um inteiro positivo, com:

 

D2 = t2 N + n                                             (1)  

 

onde D, t, N são inteiros.

Se N = h2, h inteiro,

n = (D - th) (D + th)                                     (2)

que é a fatoração de Fermat [1].

 

Se N não é quadrado, segundo Euler [2], procura-se uma segunda equação:

G2 = a2 N + n                                              (3)

com  G, a inteiros, G2 ¹ D2 . 

Multiplicam-se (1) por a2 e (3) por t2 e subtraem-se os resultados:

a2 D2 – t2 G2 = (a2 – t2) n                             (4)

 

De (4), se:

mdc (aD + tG, n) = b,

b ¹ 1 e b ¹ n,

b é fator não trivial de n.

Registros históricos disponíveis indicam que Euler não teria provado a existência da segunda equação (3), essencial para o método.

A construção exposta a seguir prova a existência de (3) e sugere um método de fatoração que generaliza métodos descritos na literatura, com a vantagem, entre outras, de permitir um paralelismo natural na busca de soluções.

Natural aqui quer dizer, por exemplo, sem deixar o anel dos inteiros, em oposição ao paralelismo buscado na construção de curvas elípticas distintas. [3]

 

2 – Prova da existência da solução de Euler

 

Tudo o que se segue é válido para a fatoração de

n = 1 mod 4.

Para n = 3 mod 4, as soluções podem ser adaptadas por simples troca de sinais e modificações nas definições.

 

Por exemplo:

 

4N + n = D2       transforma-se em:

4N – n = D2,     e

a = (q – p) / 4   em     a = (p + q) / 4.

 

Mais objetivamente, se n = 3 mod 4, fatora-se

3n = 1 mod 4.

 

Não há, insiste-se, perda de generalidade em supor

n = 1 mod 4.                                             (5)

 

Claro, também, que qualquer fatoração de um número grande só será tentada depois da verificação de que n não é primo nem quadrado perfeito.

 

Sejam então, n = 1 mod 4,

n = pq,

p, q ímpares, p < q.

 

Definem-se:

 

a = (q – p) / 4,                                            (6)

r = (p + q) / 2.                                             (7)

 

Note-se que, de (5), (6), (7), a é inteiro e r é ímpar.

Sejam inteiro e

D = r - 2                                                 (8)

É fácil ver que D é ímpar e que D2 – n é múltiplo de 4.

 

Assim,

D2 = 4N + n, N inteiro.                           (9)

 

Teorema 1

 

a2 = N + ℓD + ℓ2                                   (10)

 

Prova: De (9),

 

N = (D2 – n) / 4                                    (11)

 

Substituindo D, de (8) em (11):

 

N = (r2 + 4ℓ2 - 4ℓr – n) / 4                     (12)

 

De (6), (7) e n = pq,

r2 – n = 4a2                                          (13)

 

Substituindo (13) em (12);

 

N = a2 + ℓ2 - rℓ                                    (14)

 

De (8),

r = D + 2ℓ                                            (15)

Substituindo (15) em (14):

 

a2 = N + ℓD + ℓ2

                                                     cqd.

 

De (9), a primeira equação de Euler (1), foi obtida com

t = 2f (N pode ser f2N’), para qualquer D inteiro (positivo ou não!) ímpar.

 

Provar-se-á, agora, que a segunda equação (3) ocorrerá com G = 2N + ℓD,                                         (16)

 

G2 = (2a)2 N + ℓ2 n.                                     (17)

 

Não há perda de generalidade na introdução do fator ℓ2 em n, a saber:

 

Multiplicando-se ambos os membros de (9)

por ℓ2, tem-se:

 

D2 2 = 4Nℓ2 + ℓ2n.                                       (18)

 

 

 

Admitindo-se (17), conclui-se, como na obtenção de (4);

 

2 G2 - ℓ2 a2 D2 = ℓ2 (ℓ2 n - a2n).                       (19)

 

Se ℓ = 0, N = a 2 , por (10), e não haveria necessidade da segunda equação de Euler,

n seria fatorado por (1).

 

Admite-se  ¹ 0, e, de (19),

 

G2 - a2 D2 = (ℓ2 - a2) n.                                    (20)

 

De (17), se ℓ2 = a2 ,

G2 = 4Nℓ2 + ℓ2 n,

 

D2 = (G / ℓ)2 = 4N + n.

 

Assim, ℓ2 - a2 ¹ 0  e ...

de (20), como em (4),

tem-se a fatoração de n,

se mdc (G - aD, n) = g, g ¹ 1, g ¹ n.

 

 

 

Teorema 2 (Segunda Equação de Euler)

 

Se G = 2N + ℓD,

 

G2 = (2a)2 N + ℓ2 n.

 

Prova: Seja G = 2N + ℓD.

 

Então ... G2 = 4N2 + ℓ2 D2 + 4NℓD.                     (21)

Subtraindo ℓ2n a ambos os membros de (21),

 

G2 - ℓ2 n = 4N2 + 4NℓD + ℓ2 (D2 – n).                 (22)

 

De (9), D2 – n = 4N.                                          (23)

 

Substituindo (23) em (22),

G2 - ℓ2 n = 4N (N + ℓD + ℓ2).                             (24)

 

Mas, de (10),

 

N + ℓD + ℓ2 = a2.

 

 

 

Substituindo em (24),

 

G2 = 4N a2 + 2 n.

                                                                      cqd.

 

Exemplo 1

 

Seja fatorar n = 37 x 277 = 10249 = 1 mod 4.

 

Se D = 121 (ímpar, arbitrário),

 

r = 157, a = 60,

 

N = (D2 – n) / 4 = 1098; ℓ = (r - D) / 2 = 18,

 

G = 2N + D = 4374.

 

G - aD = 2886

mdc (G - aD, n) = mdc (2886, 10249) = 37

 

 

 

 

 

3 – Alguns novos resultados

 

3.1. – Registre-se que, de ...

 

N + ℓD + 2 = a2,

 

tem-se, para cada primo ímpar g, um crivo (cf crivo de Eratóstenes) para valores de ℓ, ie, determinam-se valores de ℓ que não satisfazem a condição:

 

D = r - 2ℓ.                                                            (8)

 

Exemplo 2

 

n = 10249, a = 60, r = 157, como no exemplo anterior.

 

Seja D = 129 (por (8), ℓ = 14)

(Quem tenta a fatoração de n não conhece r, nem ℓ).

 

 

 

 

 

 

De (9), N = 1598.

 

Seja g = 7 e faça-se:

 

N + ℓD + 2 = a2  mod 7

ie,

2 + 3ℓ + 2 = a2  mod 7                                       (25)

 

Os possíveis quadrados, mod 7, são 0, 1, 2, 4. Assim, valores de ℓ que fizerem o lado esquerdo de (25) igual a 3, 5, ou 6 não podem ocorrer.

 

ℓ = 1 mod 7, em (25), faz    6 = a2, absurdo.

 

Logo, ℓ ¹ 1 mod 7.

Testando os valores 0, 1, 2, 3, 4, 5, 6 para ℓ, verifica-se que ℓ ¹ 1, 2, 3 mod 7 e, a propósito, 

que a2  = 0 ou 2 mod 7.

Realmente, ℓ = 14 = 0 mod 7 e a2  = 3600 = 2 mod 7.

 

 

 

 

 

3.2. – De ...

 

D2 = t2 N + n                                                    (1)

e

G2 = a2 N + n,                                                   (3)

tem-se:

 

(G2 - D2) = (a2 - t2 ) N.                                      (26)

 

Seja w um fator primo de N. De (26), w é divisor de

(G  - D) (G + D).

 

De teorema conhecido, w divide (G  - D) ou (G + D), ie,

G = +D mod w ou G = - D mod w.                      (27)

 

A busca de G, por tentativas, pode então ser feita, não por valores consecutivos como em [2], mas por saltos que dependem de w, como se verá no Exemplo 3.

 

 

 

 

 

 

Pode-se provar que, para ...

 

D2 = t2 N + n ,                                                     (1)

se ℓ é divisor de ta, então

a = (ta) / ℓ é uma solução de (3).

 

Mostra-se, no Exemplo 3, que

a = (ta) / ℓ é uma condição suficiente, mas não necessária, ie, existem soluções que não atendem a condição.

 

Exemplo 3

 

Seja fatorar n = 43 x 523 = 22489

a = 120, r = 283.

Se D = 155, ℓ = 64

1552 = 162 x 6 + n, D2 = t2 N + n.

 

t = 16 , a = (16 x 120) / 64 = (ta) / ℓ = 30.

 

a2 N + n = 302 x 6 + n = 1672.

 

 

 

Se D = 163, ℓ = 60,

1632 = 42 x 255 + n,

a = (4 x 120) / 60 = 8.

 

82 x 255 + n = 1972.

 

Note-se: D’s diferentes levaram à fatoração, e a condição suficiente foi atendida.

 

Sejam agora:

 

D = 157   , ℓ = 63,

1572 = 122 x 15 + n,

t = 12, N = 15.

 

Note-se que ℓ = 63 não é divisor de ta = 12 x 120, mas a equação (3) tem solução, obtida por busca a partir de (27),

G = ± D mod w, w primo, w divisor de N.

 

No caso, G = ± 157 mod 3,

             G = ±157 mod 5.

 

 

 

Daí, G = 2, 7, 8 ou 13, mod 15

ie, G = 15t + 2, 15t + 7, 15t + 8, 15t + 13.

 

Fazendo a busca para G > D,

tem-se G = 158, 163, 167, 172, ... , 227.

2272 = 442 x 15 + n.

 

G foi obtido na 19 ª tentativa.

Observe-se, também, que, como no método de Fermat, podem-se compor equações que não resolvem o problema para obter uma solução.

Ainda no exemplo acima,

 

1582 = 165 x 15 + n   ,   165 = 5 x 11 x 3

1632 = 272 x 15 + n   ,   272 = 24 x 17

1672 = 360 x 15 + n   ,   360 = 22 x 32 x 2 x 5

.

.

.

.

 

1972 = 1088 x 15 + n   ,   1088 = 82 x 17

Note-se que 272 x 1088 = 24 x 82 x 172   

é um quadrado.

 

 

Multiplicando-se as duas equações:

 

(163 x 197)2 = (15 x 2 x 272)2 + vn, v inteiro.

 

[(163 x 197) + (30 x 272)] [(163 x 197) – (30 x 272)]=vn

            (32111 + 8160) (32111 – 8160) = vn

                        mdc (40271, n) = 523

 

Note-se que a solução também existe se for necessário um número ímpar de equações para gerar o quadrado, porque aí ter-se-á (com 3 equações, sem perda de generalidade):

 

(G1G2G3)2 = T2 N + un,

como a 2 ª equação de Euler.

 

3.3. – Como visto no exemplo anterior, cada D ímpar, arbitrário, gera um “universo de fatoração” para o método de Euler, o que sugere uma forma natural para fazer a fatoração por paralelismo.

 

3.4. – São conhecidos os números poligonais,

g (a, k) = ((k – 2) a2 – (k – 4) a) / 2 , onde ...

 

 

a é natural e k = 3, 4, ... é o número de lados do polígono.

Uma generalização do método de Fermat pode ser obtida considerando-se que a fatoração de Fermat ocorre quando o número n é escrito como a diferença de 2 números poligonais de ordem 4, quadrados.

 

Assim, por exemplo, se ...

 

K = 3, g (a, 3) = (a2 + a) / 2.

 

Pode-se escrever o número n como a diferença de 2 números triangulares:

 

(a2 + a) / 2 - (b2 + b) / 2 = n

 

(a2 - b2) + (a – b) = 2n

(a – b) (a + b + 1) = 2n

 

Para n = pq , a – b = p, a + b + 1 = q,

 

a = (p + q – 1) / 2    ,   b = (q – p – 1) / 2

 

 

 

 

Sem entrar em detalhes, pode-se mostrar que, para

l = q / p, a fatoração de Fermat é mais eficiente (tem menor número de tentativas) se l é próximo de 1, e a fatoração por diferença de triangulares é melhor para l próximo de 2.

 

Conseguiu-se uma generalização do método aqui seguido para números triangulares.

 

A primeira equação de Euler seria:

 

4N + n = G (G + 2), G ímpar qualquer

e a segunda ...

a2 N + n = S (S + a)

 

A prova da existência da 2 ª equação não foi concluída, mas parece viável pelos resultados até agora obtidos.

Tem-se:

(2b)2N + ℓ2n = S(S + 2b),  2b = (q – p) / 2,  q + p = 0 mod 4

A construção precisa ser feita para n = 3 mod 4.

Por exemplo, a fatoração de 6767 x 3 = 20301 pelo método de Euler para quadrados foi feita em 17 passos com D = 143. A mesma fatoração, com a método Euler-triangular se obteve em 7 passos.

 

 

Referências

 

1. S. C. Coutinho

Números Inteiros e Criptografia RSA.

IMPA / Soc. Bras. Matemática

Rio de Janeiro – 1997.

 

2. H. Riesel

Prime Numbers and Computer Methods For Factorization

2nd ed.

Birkhauser – Berlin – 1994.

 

3. D. M. Bressoud

Factorization And Primality Testing

Springer – New York – 1989.