INTERNET, MERCADOS E HIERARQUIAS

 

Ruderico F. Pimentel

Professor do Curso de Pós-Graduação em Engenharia de Produção da Universidade Federal Fluminense

 

 

RESUMO

 

Os principais processos através dos quais se alocam recursos para a produção e consumo de bens e serviços são: (1) as transações de mercado e (2) as transferências realizadas internamente em estruturas hierárquicas, sob um esquema de autoridade predefinido.

 

Ambas estão sendo profundamente afetadas pela redução dos custos e pelas mudanças das tecnologias de processamento e transmissão de informações, entre as quais a expansão da Internet é apenas a mais visível, em um processo cuja abrangência e conseqüências sobre as formas de organização da produção são, ainda, de difícil entendimento.

 

Mais especificamente, as relações entre mercados e hierarquias estão tendo sua economicidade transformada, com grandes impactos sobre ambos e sobre suas fronteiras. Sem pretender examinar o fenômeno em sua abrangência, o objetivo aqui é o de discutir essas conseqüências, a partir do conceito de “custos de transação”.

 

Embora os impactos da Internet sobre os mercados, e suas implicações sobre as atividades de comercialização, tenham sido, certamente, os aspectos que mais atenção têm recebido nos debates sobre este novo meio, esse processo de mudança tecnológica tem trazido também enormes impactos sobre os custos de gestão internos da firma.

 

Partindo da visão das empresas como local de acumulação de conhecimento e tratamento de informação e assumindo a essencialidade desses aspectos para a eficiência de seus processos decisórios, é obrigatório concluir-se que as mudanças tecnológicas que acompanham a Internet tem, também, enorme impacto sobre as estruturas hierárquicas e sobre seus custos de gestão e produção.

 

Destaca-se aqui que o balanço entre estes dois tipos de efeitos é que irá, em cada caso, determinar o resultado global desse processo sobre as empresas, apontando para uma ampliação ou para uma redução das fronteiras da firma.

 


1.       Introdução

 

Os principais processos através dos quais se alocam recursos para a produção e consumo de bens e serviços são: (1) as transações de mercado e (2) as alocações realizadas internamente em estruturas hierárquicas[1], sob um esquema de autoridade predefinido.

 

No segundo caso, incluem-se as alocações realizadas dentro dos diversos tipos de organização, incluindo, entre outras, as firmas e as entidades governamentais. Regulando esse tipo de transação, está o contexto institucional, “as regras do jogo”, cujo desenho é fator determinante da eficiência econômica resultante. A nível de governo, engloba sua estruturação, leis, normas e regulamentos; dentro das empresas, é formado pela própria estrutura organizacional adotada, por seus documentos normativos, seus procedimentos e seus sistemas. Em complemento, é, ainda, delimitado de modo informal pelos aspectos culturais de cada organização.

 

Ambas as formas de alocação de recursos, mercados e hierarquias, estas tanto em suas dimensões públicas como privadas, estão sendo profundamente afetadas pela rápida expansão da Internet e da redução dos custos de processamento e transmissão de informações, em um processo cuja abrangência e conseqüências sobre as formas de organização da produção são, ainda, de difícil visualização.

 

Mais especificamente, as relações entre mercados e hierarquias estão tendo sua economicidade transformada, com grandes impactos sobre ambos.

 

De um modo geral, se observarmos o comportamento das empresas no mundo em anos recentes, fica flagrante que está ocorrendo um expressivo redesenho do espaço empresarial e das formas de relacionamento entre as empresas, incluindo fusões e compras de outras empresas, reorganizações com vendas de ativos e terceirizações, maior coordenação entre firmas através da gestão conjunta da cadeia de suprimento, e formação de novas alianças e de investimentos comuns através de sociedades de propósitos específicos.

 

Entre os diversos fatores que estão movendo e/ou facilitando esse processo, as mudanças ligadas às tecnologias de processamento de informações e de comunicação têm conseqüências particulares e significativas. Embora não seja possível prever com clareza seu impacto sobre as formas de comercialização e de estruturação do espaço empresarial, elas afetam diretamente custos relevantes nas definições das fronteiras entre os mercados e as hierarquias, para cujo exame dispomos de alguns conceitos econômicos[2], que podem nos permitir esboçar um quadro de referência e algumas reflexões sobre esse movimento de mudanças.

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Sem pretender examinar o fenômeno em sua abrangência, o objetivo aqui é o de discutir, mais especificamente, a partir do conceito de “custos de transação”[3], os impactos sobre as formas de organização da produção, provocados pela expansão da Internet e pela redução dos custos de processamento e transmissão de informações.

 

O presente artigo expande algumas considerações levantadas em trabalho anterior[4], buscando, com essa análise, explicitar alguns elementos que facilitem a reflexão estratégica dos diferentes agentes inseridos nesse quadro de transformações.

 

Note-se, ainda, que, embora a introdução e expansão da Internet seja apenas um dos aspectos dessas mudanças das tecnologias de processamento e de comunicação, ele é o mais visível e, no que se segue, por simplicidade, as consequências desse processo como um todo serão referidas como impactos da Internet

 

Inicialmente, no item 2, para servir de referência aos itens posteriores, faz-se uma breve apresentação de algumas características econômicas específicas das informações, com ênfase em aspectos ligados à sua comercialização. 

 

O item 3 apresenta uma descrição resumida do sistema de organização da produção e das formas alternativas de mercado e hierarquias, conforme tem sido apontado na literatura econômica, ressaltando-se, ainda, os aspectos comuns entre as formas de alocação de recursos nas hierarquias empresariais e de governo.

 

Destaca-se a importância dos custos de transação na opção entre as duas formas acima referidas, conforme Coase (!937). É ponto central, neste trabalho, que o enfoque de Coase permite um melhor entendimento de aspectos essenciais da  transformação do ambiente empresarial provocada pela Internet.

 

Seguindo esta visão, analisam-se, em 4, os impactos da Internet sobre os mercados, que, aliados às suas implicações sobre as atividades de comercialização, têm sido, certamente, os aspectos que mais atenção têm recebido nos debates sobre este novo meio. Em particular, comentam-se, neste item, alguns estudos recentes sobre as consequências da Internet para a eficiência econômica.

 

Pela abordagem de Coase, o resultado global destas mudanças tecnológicas depende do balanço entre os impactos sobre os mercados e os impactos sobre as empresas. Nesse sentido, procura-se ressaltar que estes últimos têm efeitos profundos e significativos, que vão muito além das questões mais imediatas de comercialização.

 

Assim, em 5, aborda-se a questão das consequências das mudanças nas tecnologias de processamento e de comunicação sobre as empresas. Partindo da visão destas como local de acumulação de conhecimento e tratamento de informação e assumindo a essencialidade desses aspectos para a eficiência de seus processos decisorios, é obrigatório concluir-se que as mudanças tecnológicas que acompanham a Internet têm enorme impacto sobre os custos de gestão e produção das mesmas.

 

Observa-se, ainda, que estas mudanças afetam as empresas, não apenas em seus processos internos, mas também em suas estruturas de regência (quando sociedades anônimas) e suas relações com o ambiente externo, em particular com outras firmas. Distinguem-se, também, devido às suas especificidades, as mudanças da indústria de informações.

 

Como conclusão, em 6, faz-se um sumário dos principais pontos levantados nos itens anteriores e procura-se esboçar alguns elementos de cenário, de caráter especulativo, para a evolução das empresas e mercados, assim como apontar alguns dos problemas de natureza institucional levantados pelo processo de evolução tecnológica aqui discutido.

 

 

2.      Algumas Características Econômicas das Informações

 

Embora o tratamento específico da indústria da informação não seja o objetivo do presente trabalho, antes de se analisar os efeitos trazidos pela introdução da Internet deve-se, para melhor compreendê-los, destacar algumas das especificidades das informações e de sua comercialização, afetadas pela Internet, com significativas implicações estratégicas para as empresas e mercados.

 

Conforme apontado por Varian e Shapiro (1999), algumas características importantes incluem:

 

(1)   a informação é cara para produzir e barata para reproduzir, ou seja, tem custo fixo alto e marginal quase nulo; a Internet reduz ainda mais os custos de reprodução e distribuição, ampliando o impacto desta propriedade;

 

(2)   a informação pode ser facilmente copiada gerando uma dificuldade em sua comercialização para permitir a remuneração de seus criadores, o que pode gerar um desincentivo econômico à sua produção;

 

(3)   o baixo custo de reprodução faz com que o preço da informação deva ser feito pela disposição a pagar do consumidor e não pelo custo marginal, sugerindo a adoção de estratégias de diferenciação de preços;

 

(4)   a informação é um bem que tem que ser experimentado para ser avaliado, o que faz com que a marca e a reputação sejam particularmente importantes.

 

Já com impactos mais abrangentes, estão as características da Internet como canal de comercialização de produtos em geral, independentemente do processo de sua distribuição física. Ainda, conforme apontado por Varian e Shapiro (1999), pode-se destacar que:

 

(5)   A Internet permite marketing individualizado e/ou diferenciado para certos subgrupos, viabilizando um direcionamento inédito na comercialização de produtos em larga escala; essa característica facilita, inclusive estratégias de diferenciação.

 

Uma outra característica que deve ser aqui apontada, apresentada por um grupo de produtos, incluindo a Internet e, também, alguns tipos de produtos a ela associados, como alguns “sites”, “softwares”, etc, é:

 

(6)   A Internet, assim como alguns produtos a ela associados, apresenta o que se chama de “externalidade de rede”, ou seja, o seu valor para um usuário depende de quantos outros usuários existem e, em consequência, apresenta “feedback positivo”, ou seja, a base de usuários cresce a velocidades crescentes.

 

Embora  a maior parte dessas características da indústria da informação independa da existência da Internet, as mudanças trazidas pelas novas tecnologias ampliam de muito as suas consequências estratégicas  para esse segmento, com impactos que se propagam sobre a organização da produção como um todo.

 

 

3.      A Organização da Produção

 

Os mercados e as hierarquias públicas e privadas

 

A especialização dos indivíduos e das empresas, via maior habilidade ou conhecimento, e a possibilidade de aproveitamento de ganhos de escala formam a base da divisão do trabalho e dos ganhos de produtividade que caracterizam a organização do sistema produtivo. Esse inter-relacionamento, porém, requer a existência de mecanismos de coordenação para ajustar o comportamento dos diferentes agentes, supridores e consumidores.

 

Duas formas principais - os mercados e as hierarquias (veja-se Williamson (1975)) - são adotadas para a tomada de decisões em relação à produção e ao consumo de bens e serviços. Nos mercados, conforme o modelo neoclássico, com base nos preços, decisões descentralizadas dos agentes conduzem, de modo iterativo, a uma solução de equilíbrio para o sistema, tão mais eficiente quão mais competitivo for o mercado. Nas hierarquias, decisores escolhidos tomam as decisões alocativas, dentro dos limites institucionais, com base nas informações e análises disponíveis.

 

As decisões tomadas fora do âmbito do mercado se dão dentro do quadro institucional que, segundo North (1990), é “formado pelas restrições feitas pelos homens e dentro do qual as interações entre eles têm lugar”. Dentro desse conjunto de regras, em sua maior parte formalizadas, é que se estruturam as hierarquias de decisão.

 

A nível mais global, se têm o aparelho de Estado, onde decisões centrais sobre a alocação de recursos na sociedade são tomadas, delimitadas pela legislação, por processos decisórios hierárquicos, usualmente delegados através de escolhas públicas. 

 

A nível micro, é dentro das organizações e, mais especificamente, das empresas, que vão se dar decisões alocativas hierárquicas, que, de maneira similar às estruturas de governo, são regidas por normas, e que, similarmente, têm seu processo decisório centrado em agentes que recebem delegação para tal.

 

O quadro institucional onde as decisões hierárquicas são tomadas consolida, tanto o conhecimento do “como fazer”, como os princípios a serem seguidos e a delegação do poder sobre as decisões residuais, face às contingências enfrentadas a cada momento pelas organizações. Nesse sentido, as hierarquias são, simultaneamente, estruturadoras do conhecimento e do poder decisório que governa as alocações de recursos das organizações.

 

Embora os dois níveis, macro e micro, estejam separados por distinções fundamentais, entre elas as dimensões e a complexidade dos interesses e das questões envolvidas nos problemas a serem gerenciados, alguns pontos comuns e alguns paralelismos entre os dois tipos de hierarquias decisórias podem ser encontrados.

 

Em ambos os casos vão surgir problemas similares e complexos de agência, de compatibilização dos interesses daqueles que delegam (principal) com os dos que recebem a delegação (agentes). Esses problemas são inerentes aos processos decisórios hierárquicos, nos quais o decisor exerce papel delegado, qualquer que seja sua natureza.

 

Nas empresas, os conflitos de interesses mais evidentes se dão entre os acionistas e os administradores por eles escolhidos, conforme tem sido apontado (vide, por exemplo, Demsetz (1990 e 1995), cuja análise forma uma das correntes mais  marcantes de reformulação da teoria da firma).

 

Esses mesmos conflitos que marcam a relação agente-principal podem, também,  ser encontrados, a nível mais geral, nos problemas de representatividade entre eleitores e eleitos, assim como entre os decisores ocupantes das hierarquias públicas (agentes) e a sociedade em geral, agravados pelos enormes ganhos pecuniários que uma atitude oportunista pode proporcionar e pela maior pulverização daqueles que delegam (principal). Também aqui se necessita aprimorar os dois principais tipos de mecanismos de que se dispõe para lidar com esses conflitos, que são os de alinhamento de interesses e de monitoramento.

 

Pode-se observar, ainda, que, sobre ambos os tipos de estruturas decisórias hierárquicas, formalmente organizadas, vão atuar, também, elementos informais e culturais que, no caso da empresa, foram exaustivamente apontados por Barnard (1934).

 

Os custos de transação e os mercados

 

Em 1937, discutindo a lógica econômica que justifica a existência das firmas, trabalho basilar de Coase apontou o fato das transações realizadas no mercado terem custos. Mais ainda, argumentou que a comparação destes custos com os custos que seriam incorridos, caso aqueles processos fossem realizados dentro de firmas, era fator essencial no estabelecimento das fronteiras entre as firmas e o mercado. A possibilidade de economizar custos de transação, substituídos por custos internos de gestão, seria, assim, uma das principais razões da existência das firmas.

 

Entre os custos de mercado (veja-se Williamson (1975)) estão os de identificação dos compradores e vendedores, de obtenção das informações sobre preços dos produtos (tanto para quem vende como para quem compra) e de negociação entre as partes.

 

Quando a transação fica um pouco mais complexa, ela passa a ter como contrapartida jurídica um contrato formal. Somam-se então, aos anteriores, os custos de negociação e elaboração dos contratos, os custos econômicos resultantes das inevitáveis imperfeições dos mesmos, além dos custos ex-post de se fazer valer esses contratos.

 

Para Coase, o custo da realização de algumas contratações no mercado repetidas vezes, como, por exemplo, a de mão-de-obra, vai se tornando tão elevado, que fica mais barato e simples operar-se através de uma firma, forma de organização que pode ser entendida como definida por grandes contratos genéricos e dentro da qual hierarquias institucionalizadas tomam as decisões de produção.

 

As escolhas organizacionais entre empresa (hierarquia) e mercado vão, então, sendo orientadas pela comparação entre os custos dos dois tipos de opção.

 

No caso das hierarquias, além dos custos oriundos dos problemas de agência, vão se destacar os custos de gestão em geral. Quanto mais cresce uma organização, mais distantes vão ficando os centros decisórios principais das fronteiras da mesma, assim como mais diversa vai sendo a natureza dos problemas; assim, vai ficando mais difícil e mais sujeita a erros (custos) a sua administração. Quando as deseconomias de escala passam a superar as economias, a empresa não tem mais ganhos de produtividade, se crescer. 

 

Fora das hierarquias, entre as empresas e entre estas e os consumidores em geral, as transações são governadas pelas leis do mercado. Estes mercados, se plenamente competitivos, levam, pela concorrência, considerações distributivas à parte, a soluções consideradas ideais (eficientes), onde não se consegue melhorar a situação de nenhum agente, consumidor ou produtor, sem prejudicar a outros.

 

Os mercados plenamente concorrenciais, todavia, são modelos ideais,  aos quais se procura fazer a realidade se aproximar (via legislação e regulamentação), quando possível. Os mercados falham, e estas falhas de mercado afastam suas soluções do padrão desejável. Aqui interessa destacar, particularmente, uma falha importante de mercado, especialmente relevante para o tema em tela, que se dá quando os custos de transação de um dado produto ficam tão caros que o próprio mercado sequer se forma.

 

 

4.      A  Internet e os Mercados

 

Os impactos da Internet sobre os mercados

 

Sem pretender exaurir o assunto, as considerações anteriores já permitem destacar alguns impactos específicos sobre a organização de produção, provocados pela Internet e por toda a redução de custos que tem se verificado no processamento e transmissão de informações.

 

Por este enfoque, qual a primeira grande conseqüência da Internet? Ela reduz em muito os custos das transações, já que, pelo menos, os custos de tomar preços, identificar produtores e consumidores em diferentes lugares – os chamados custos de busca - são radicalmente reduzidos. Compras no mercado spot através dela podem se fazer de forma extremamente simples e barata.

 

E quanto aos custos de contratação? Aqui já é menos aparente, mas é possível que se possa vir a conseguir, também, alguns ganhos, com a maior facilidade de comunicação entre os agentes. Esta questão irá requerer uma  reflexão e revisão da legislação envolvida (em cada país), para que se agilizem contratações fruto de entendimentos por meio eletrônico[5].

 

Uma possibilidade importante a ser explorada, na redução desses últimos custos, está ligada à verificação ex-post dos eventos objeto da relação contratual, cuja dificuldade freqüentemente inviabiliza ou gera demandas, encarecendo a transação. Com a Internet, alguns fenômenos podem passar a ser mais facilmente observáveis, à medida que maiores volumes de dados podem ser armazenados e podem ser colocados transparentemente à disposição das partes e do poder judiciário. Em particular, a integração dos sistemas das empresas em uma dada cadeia de produção gera maior transparência nessas relações.

 

Assim, inúmeras operações de mercado ficam mais baratas com a Internet. Esse é o ponto chave aqui: com a Internet caem alguns custos significativos de mercado e mudam suas características, e com isso alteram-se, também, as relações entre mercados e hierarquias.

 

Duas conseqüências maiores para os mercados podem ser apontadas. Primeiro, com a Internet os mercados se expandem. Alguns mercados, em particular, estão  se globalizando e, embora os aspectos geográficos afetem os custos de transporte de mercadorias,  permanecendo como fator limitador,  as facilidades trazidas pela Internet reforçam esse processo de globalização. A tecnologia, reduzindo enormemente os custos de comunicação, abole, em grande parte, as fronteiras geográficas e reduz as barreiras entre os mercados nacionais. A relação entre o fenômeno da globalização e o da expansão da Internet é tão expressiva que fica difícil analisá-los em separado.

 

Entre os mercados em que a Internet facilita a globalização, está ainda o mercado de trabalho. Enquanto que o fluxo de mercadorias e capitais entre países se intensifica, o de trabalho ainda sofre maiores restrições, sem que se possa observar nenhuma redução significativa nas inúmeras barreiras que dificultam o deslocamento de pessoas entre diferentes países. Entretanto, a Internet, permitindo a contratação de mão-de-obra autônoma em países diferentes daqueles em que os agentes contratantes residem, indiretamente, canaliza a “importação/exportação” do trabalho.

 

Exemplos ilustrativos desse tipo de trabalho podem ser hoje vistos na Índia, na área de produção de “software”, e também em atividades de serviço de apoio de escritório a empresas localizadas em outros países, aproveitando-se, inclusive, das diferenças de fuso horário.

 

Em segundo lugar, com a redução de custos de transação surgem novos mercados, que antes não poderiam existir, eliminando-se “falhas” caracterizadas pela inexistência de mercados. Alguns interessados em um produto antes considerado exótico, dispersos em diferentes cidades, no mesmo ou em diferentes países, vão se somando e formando número suficiente para viabilizar a organização da oferta e comercialização do tal produto. Entre outras, por exemplo, se viabilizam negociações em mercados futuros e em produtos muito especializados.

 

Agentes que percebem essas possibilidades abrem novas atividades de comercialização, configurando novos mercados, nem sempre legais e/ou legalmente definidos. Em muitos casos novas necessidades de regulamentação e fiscalização terão que ser atendidas pelo aparelho do Estado.

 

A  Internet e a eficiência econômica

 

A redução dos custos de transação e de gestão proporcionada pela Internet provoca uma grande ampliação de mercados existentes e o surgimento de outros mercados, anteriormente inviáveis, viabilizando, dessa forma, novas transações econômicas eficientes.

 

Algumas das características desse novo meio, entretanto, estão gerando alguns efeitos no sentido oposto ao de aumento de eficiência, o que tem levado diversos autores a examinarem suas consequências. De uma maneira geral, os resultados desses estudos têm apontado para um aumento de eficiência geral,  mas com ressalvas, cuja importância estratégica é necessário se assinalar aqui.

 

Alguns ganhos trazidos pela Internet são óbvios: a maior facilidade de acessar produtores diversos e fazer buscas de preços aumenta a informação disponível aos compradores, tornando, por esse ângulo, os mercados mais competitivos.

 

Também a maior facilidade de diferentes produtores, independentemente de sua localização geográfica, chegarem ao mercado, amplia a concorrência na negociação de produtos, antes fechada e limitada a um pequeno grupo de ofertantes. A Internet derruba barreiras econômicas de entrada, podendo, por esse lado, aumentar as possibilidades de concorrência em mercados já estabelecidos.

 

Não obstante, algumas outras propriedades das informações fazem com que o mercado de produtos digitalizáveis tenda a se afastar das condições de competição perfeita e que as suas soluções de equilíbrio deixem de corresponder aos princípios de otimização alocativa, conforme apontado por Froomkin e De Long (1997).

 

Estes últimos autores ressaltam que pelo menos três condições para que se tenha um mercado concorrêncial não são atendidas na comercialização de informações, fenômeno que é agravado sensivelmente pela Internet.

 

Em primeiro lugar, os comercializadores de informações têm muita dificuldade em excluir do consumo de seus produtos outros interessados, que não os que efetivamente paguem por eles, devido ao baixo custo de reprodução dos mesmos.

 

Também, o fato do custo para o produtor não variar (ou variar muito pouco) se mais de um consumidor usufruír o produto, leva o custo marginal para valores muito inferiores ao custo médio e impede que se pratique um preço igual ao custo marginal.

 

Um terceiro aspecto é a falta de transparência na compra de bens, que têm que ser experimentados para serem efetivamente avaliados.

 

Como a Internet agrava estas três condições, com sua expansão todo o mercado de produtos digitalizáveis poderia estar se afastando das condições de concorrência. 

 

Para se procurar mensurar as consequências deste processo, não apenas a comercialização de informações, mas também a comercialização dos bens e serviços em geral através da Internet têm sido examinadas em termos da eficiência resultante.

 

Não obstante a validade das preocupações de Froomkin e De Long, os estudos empíricos têm constatado a predominância dos fatores positivos, indicando que a Internet, de uma maneira geral, tem tornado os mercados mais eficientes.

 

Smith, Bailey e Brynjolfsson (1999) examinaram vários estudos sobre esta questão, que, em seu conjunto, indicaram que a Internet tende a aumentar a eficiência dos mercados, pelo menos no que se refere ao nível dos preços, que tendem a ser mais baratos na Internet, e a um aumento na freqüência de suas variações, indicando respostas mais rápidas às condições de mercado.

 

Apenas em contradição com um possível aumento de eficiência dos mercados, os referidos autores constataram uma grande dispersão de preços em alguns produtos transacionados na Internet, ao contrário do que se poderia esperar. É possível que esta dispersão esteja ligada à confiabilidade de certos comercializadores, que, mesmo para bens idênticos, tendem a agregar valor, por isso, para os seus consumidores na Internet

 

 

5.      A Internet e as Empresas

 

Impactos da Internet sobre as fronteiras entre mercados e empresas

 

A expansão e o surgimento de novos mercados, acima comentados, são apenas uma das faces da introdução da Internet e das mudanças tecnológicas aqui discutidas. Seu impacto não se restringe apenas aos custos de mercado, mas,  também, os custos de produção são afetados, mudando as economias e deseconomias de escala que delimitam a dimensão das empresas.

 

Para que se possa melhor entender esse processo e se esboçar alguns cenários de mudanças nas relações entre mercados e hierarquias, é essencial que esses dois tipos de efeitos sejam analisados em simultâneo.

 

Enquanto a Internet, em si mesma, altera as formas e custos de comercialização, as mudanças aqui consideradas reduzem, também, os custos de gestão das empresas, incluindo os custos de comunicação internos (pela Intranet) e os de acesso, organização e acumulação de dados e de conhecimento. Não apenas nos mercados, mas também internamente às organizações, e nos relacionamentos entre elas, vão se redefinindo os conceitos de distância.

 

Com o avanço tecnológico, caem também os custos internos de produção e os de compra de insumos no mercado.

 

Ampliando, então, um pouco, o enfoque inicial, verifica-se que as mudanças aqui sintetizadas pela introdução da Internet trazem, simultaneamente, os dois impactos, ou seja, reduzem tanto os custos de mercado, como os de gestão e produção.  Assim, voltando á  abordagem de Coase, poderiam, então, conduzir tanto a um crescimento, como a uma redução da dimensão das unidades empresariais. É possível que ambos os movimentos aconteçam, dependendo, em cada caso, de como estes efeitos opostos se balanceiem.

 

Cumpre observar que Coase não apenas destacou a importância dos custos de transação nos mercados reais, em oposição aos mercados ideais teóricos, como apontou como fator essencial na definição das dimensões das empresas, o balanço entre estes custos e os custos internos às empresas, de produção e gestão, aspecto esse que tem que ser cuidadosamente levado em conta ao se refletir sobre os impactos da Internet.

 

Alocações de recursos nas empresas e no mercado

 

Embora as atividades de comercialização sejam as mais visíveis e, talvez, as mais atingidas diretamente pelas transformações em tela, muitas outras mudanças significativas estão alterando a eficiência e os custos das empresas, impactando, em particular, seus processos decisórios, com ganhos de eficiência alocativa.

 

Tanto nas transações de mercados, como das alocações de recursos internas às hierarquias, se tem um processo decisório baseado em uma análise das opções disponíveis.

 

Nas transações efetuadas no mercado, as decisões são tomadas por agentes que analisam seus custos e benefícios, onde os preços consolidam grande parte das informações necessárias, economizando esforços analíticos e simplificando o processo. As opções de compra ou de venda são feitas considerando o leque de opções identificáveis no mercado, a custos compatíveis com a transação.

 

Já as alocaçöes de recursos efetuadas no interior das empresas dependem de um processo analítico interno, sem as simplificações providas pelos preços. No curto prazo, estas decisões são mais rápidas, mas têm um elevado grau de rigidez, já que, de uma forma geral, só se examinam as possibilidades internas, com custos fixos já incorridos e com o uso de recursos humanos já contratados.

 

No longo prazo, as decisões empresariais são mais complexas, já que podem considerar um leque mais amplo de recursos internos, estes sem a referência clara dos preços, e externos, que podem ser internalizados, mas cuja repactuação a posteriori, ao contrário das operações realizadas no mercado, é bastante mais difícil e custosa.

 

A eficiência empresarial depende diretamente da eficiência de suas decisões alocativas.

 

Processos decisórios, comunicação e conhecimento nas empresas

 

Duas das principais conseqüências da introdução da Internet (e da Intranet) sobre os processos decisórios nas empresas referem-se à redução dos custos de (1) comunicação (tanto internamente como com o exterior) e (2) de aquisição e disseminação de conhecimento. Ambos criticamente relacionados ao processo de alocação interna de recursos.

 

Para ilustrar-se a importância destas questões para as empresas veja-se, por exemplo, Barnard (1934), que identificava as linhas de autoridade, ao longo das quais as decisões empresarias são tomadas, com as linhas de comunicação. Por isso mesmo, considerava que as funções essenciais do executivo são: (i) manter o sistema de comunicação, (ii) promover e assegurar os esforços essenciais, e (iii) formular e definir propósitos.

 

Quando uma decisão de alocação de recursos é tomada em uma hierarquia, dois aspectos estão presentes: o fim a ser alcançado e os meios a serem usados. A decisão deve ser o resultado de um processo lógico de discriminação, análise e escolha.

 

Nas empresas, ainda acompanhando Barnard, três grandes níveis de decisão podem ser destacados: (a) nível superior, relativo aos fins a serem perseguidos, (b) nível intermediário, onde os propósitos são quebrados em fins mais específicos, e (c) níveis inferiores, de execução, onde as decisões pessoais quanto à disposição de contribuir ou não (e a motivação) se tornam da maior importância.

 

Observa  Barnard que o aspecto objetivo da autoridade, ao longo destas linhas, só é mantido se as pessoas são contínua e adequadamente informadas, o que depende da operação do sistema de comunicações na organização.

 

Mais ainda, para ele, os requisitos de comunicação são fatores determinantes sobre o tamanho das unidades e das organizações.

 

Estas questões são também focadas mais tarde por Simon (1947 e edição de 1977), que define formalmente a comunicação como qualquer processo onde informações ligadas a um processo decisório são transmitidas  por um membro da organização para outro.

 

Sem comunicação não pode existir organização, sendo que os meios tecnológicos disponíveis para a transmissão das informações determinam, em grande parte, a forma de estruturação do processo decisório e a própria organização da empresa.

 

Além dos dois sentidos, acima destacados, em que a informação flui nos processos decisórios, ela flui também lateralmente, entre áreas diferentes da empresa. Para que as decisões relevantes de alocação dos recursos da organização sejam eficientes, é fundamental que o indivíduo que as toma esteja bem informado e tenha capacidade de analisá-las.

 

Conhecimento e informação se interrelacionam; sem conhecimento os indivíduos não tem como lidar com as informações que recebem. Por outro lado as informações permitem aumentar o conhecimento de seus receptores. Elas são portadoras de conhecimento. O conhecimento detido por uma organização pode ser considerado como um dos seus principais ativos, mesmo que intangível. Sua capacidade de constante aprendizado, quando existe, expande esta base, permitindo-a manter-se competitiva em um contexto de mudanças.

 

Alguns autores (vide, por exemplo, Cohendet, Llerene e Marengo (1998)), inclusive, chegam a entender as organizações, fundamentalmente, como locais de acumulação de conhecimentos. E aqui se está falando de conhecimento produtivo distribuído por toda a organização,  do “como fazer”, incorporado nos sistemas, nas rotinas, nas normas da organização e, também, nas pessoas que as executam.

 

As mudanças das tecnologias de processamento e transmissão de informações baratearam enormemente a capacidade de lidar com grandes volumes de informações, selecioná-las e processá-las rapidamente, assim como de transmiti-las a enormes distâncias, exigindo das empresas como um todo, e dos indivíduos que a constituem, uma enorme capacidade de adaptação, para lidarem com o novo ambiente empresarial.

 

Nesse novo cenário, possivelmente aumentarão as comunicações à distância, se reduzirão os contatos diretos pessoais e os elementos verbais assumirão maior peso, face aos não verbais, nessas comunicações à distância. Problemas de códigos comuns aumentarão, já que as pessoas poderão fazer parte de comunidades bastante diferentes.

 

As possibilidades e meios de aquisição e de disseminação de conhecimento mudaram. O acesso a fontes de informações e conhecimentos externos, muitas de domínio público, ficou muito mais fácil e mais barato. Internamente às empresas, a transferência de conhecimento também ficou facilitada, reduzindo-se empecilhos de ordem geográfica.

 

O resultado deste conjunto de transformações aponta para ganhos de produtividade com reduções significativas tanto nos custos de gestão, quanto de produção.

 

Formas de relacionamento  entre as empresas

 

Se o novo balanço entre custos de transação no mercado e custos de gestão e produção internos às empresas está afetando a redefinição das suas fronteiras, também, as formas possíveis de trocas de informações entre elas e a possibilidade de uma maior observabilidade de seus processos internos trazem novas opções às formas de cooperação e de coordenação das atividades entre diferentes empresas, opções que poderiam ser consideradas como intermediárias entre as formas extremas de hierarquia e mercados.

 

Integrações via novas formas de administração das relações verticais entre as cadeias de suprimento, e a formação de novos tipos de alianças e de cooperação entre empresas exemplificam algumas dessas possibilidades, facilitadas pela evolução tecnológica da comunicação e processamento de dados.

 

A disseminação de novas iniciativas, apoiadas em companhias de propósitos específicos, facilita e exemplifica a multiplicação das novas formas de integração parcial de diversas empresas em ações específicas.

 

Impactos da Internet sobre as Formas de Regência

 

Nos setores regulados, as tensões pelas mudanças se constroem em seu interior, mas as  mudanças só se efetivam após algum nível de transformação institucional e legal. Nos demais setores, em geral, as formas legais e jurídicas tendem a mudar a posteriori, sob as pressões das transformações concretas da sociedade e apenas quando as novas formas de consenso social se mostram relevantes e estáveis.

 

Um possível impacto da Internet sobre as hierarquias, que ainda não parece ter se manifestado, nem se consubstanciado institucionalmente, mas sobre cuja possibilidade se pode especular, é uma possível transformação nos mecanismos de regência e nas formas de representação e de delegação de poder daqueles que detém os direitos de principal, para os agentes que devem executar as ações delegadas.

 

Com as novas facilidades na transferência de informações, de acesso rápido e simultâneo por diferentes indivíduos em diferentes localizações geográficas, assim como de realização de reuniões e conferências virtuais, é possível, pelo menos para um subconjunto de temas, que um número bastante grande de indivíduos (e organizações) possa ser consultado. Assim, o espaço de delegação pode ser sensivelmente reduzido. Também votações incluindo número significativo de eleitores podem se efetuar em curto espaço de tempo, a custos baixos e por processos que vão ficando cada vez mais seguros.

 

Por exemplo, questões que hoje são do âmbito do Conselho de Administração das empresas poderiam ser levadas diretamente à consideração da Assembléia Geral de acionistas, sem a necessidade de delegação dos mesmos. Evidentemente, qualquer movimento deste tipo amplia os custos de monitoramento por parte dos acionistas, mas entende-se que estes são do maior interesse dos mesmos.

 

Vale apontar que, também nas hierarquias de governo, possibilidades de mudança nas formas de representação podem surgir e devem ser exploradas, possivelmente mais eficientes e reduzindo os desencontros entre representantes e representados.

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Impactos da Internet sobre a Indústria da Informação

 

As mudanças trazidas pela Internet têm efeito especial, particular, sobre a indústria da informação e sobre a comercialização dos produtos digitalizáveis em geral, onde suas consequências têm se mostrado mais imediatas e contundentes.

 

Efetivamente, as características específicas de produtos digitalizáveis requerem tratamento à parte, em qualquer reflexão estratégica, e análise de cenários sobre o espaço empresarial.

 

É a especificidade da informação, enquanto bem comercializado, que faz com que Anghern (1997) inclua, como um dos que ele chama de “quatro espaços virtuais criados pela Internet”, o Espaço Virtual de Distribuição, indicando os canais em que produtos digitalizados são efetivamente distribuídos pela Internet. Os outros três espaços virtuais, segundo o referido autor, são o de Informação, o de Comunicação e o de Transações, compondo o que ele chama de Modelo ICDT.

 

É ainda Anghern quem destaca, ao analisar o espaço de distribuição, inúmeras indústrias que produzem bens físicos, não digitalizáveis, e comercializam informações como serviços auxiliares aos seus clientes, as quais podem perfeitamente ser distribuídas pela Internet. É o caso, por exemplo, dos manuais de instruções que acompanham carros, produtos eletrônicos, etc. 

 

Estas últimas indústrias, embora com seus produtos principais não tão diretamente afetados como as indústrias de produtos digitalizáveis, além de alcançadas pelos impactos globais anteriormente discutidos, podem, ainda, ter suas estratégias de comercialização alteradas pelas possibilidades de mudanças nos canais de distribuição desses produtos complementares.

 

Assim, para efeitos de análise estratégica dos diferentes segmentos empresariais, dada a particularidade desse tipo de produto, além do exame dos efeitos dessas transformações sobre as relações empresas-mercado em geral, é conveniente estudar-se os aspectos específicos, separando as empresas que comercializam informações como produto principal das que comercializam informações como produto complementar  secundário.

 

No que se refere especificamente à indústria da informação, vale a pena acrescentar, ainda, as observações de Shapiro e Varian sobre suas possíveis estratégias, segundo os quais, nesses casos, só duas estruturas finais são viáveis: (a) firma dominante que tem vantagem de custo sobre os demais, e (b) firmas com produtos diferenciados .

 

Face aos enormes custos envolvidos no esforço para dominar um dado mercado, aqueles autores sugerem que, nesta área, as firmas façam o possível para seu produto não virar “commodity”, diferenciando-o dos demais disponíveis no mercado. Nesse sentido, além de personalizar seus produtos, sugerem que as firmas procurem personalizar seus preços, seja para cada grupo de consumidores, seja para cada “versão” do produto, seja mesmo, se possível, para cada consumidor individualizado.

 

Nas firmas em que a informação é produto complementar, seria necessário uma análise caso a caso para se averiguar até onde estas características estratégicas da indústria da informação afetam seu quadro competitivo. É de se esperar que empresas em que as informações complementares desempenhem papel mais significativo sejam mais afetadas por este mesmo quadro.

 

 

6.      Sumário e Conclusões

 

A Internet é apenas um dos aspectos de um amplo processo de mudanças tecnológicas que têm reduzido enormemente os custos de comunicação e de transmissão e processamento de informações, vêm tendo grandes impactos tanto sobre os mercados como sobre as hierarquias em geral e que, por simplicidade, são referidos aqui como impactos da Internet.

 

Coase nos lembra que as transações no mercado têm custos. Um dos impactos mais imediatos da Internet é o de redução desses custos. Com isso, os mercados crescem e se globalizam, além de surgirem novos mercados, antes inviabilizados por seus custos de transação.

 

Mas  a análise de Coase diz um pouco mais: ela destaca, como um dos fatores determinantes da existência e da dimensão das empresas, o balanço entre os custos de transação e compra nos mercados, versus os custos de gestão e produção internos às empresas (hierarquias).

 

As mudanças tecnológicas em tela afetam também as hierarquias. Informação e conhecimento são elementos-chave dos processos decisórios hierárquicos e são impactados positivamente pela Internet/Intranet. As alocações de recursos internas às organizações, apoiadas em processos analíticos e em procedimentos que armazenam conhecimento da empresa, podem ser feitas de maneira mais eficiente. Caem, assim, os custos de gestão e produção.

 

Com o surgimento do novo meio, são particularmente afetadas as atividades empresariais de comercialização, tanto com os consumidores finais, como entre empresas. Os negócios entre estas ficam mais ágeis e ampliam-se muito as possibilidades de integração entre atividades de organizações de proprietários diferentes.

 

Uma distinção relevante, em relação aos impactos sobre as empresas, refere-se ao fato de seus produtos principais serem digitalizáveis ou não. No primeiro caso, a Internet é também canal de distribuição, com conseqüências que afastam seu ambiente dos modelos de concorrência perfeita. Esse tipo de situação afeta também o universo das empresas em geral, no que se refere aos produtos secundários, digitalizáveis, que muitas vezes acompanham a comercialização de produtos de outra natureza.

 

Possivelmente, embora ainda não claramente observável, podem se alterar, também, os esquemas de regência das empresas (e de governo), com a possibilidade de uma maior observabilidade dos processos decisórios internos e com uma maior facilidade de ser ouvido um maior número de agentes nas decisões das altas administrações das hierarquias.

 

A redução simultânea dos custos de mercado e dos custos internos das hierarquias faz com que as fronteiras entre elas possam se deslocar nas duas direções, dependendo, caso a caso, das condições específicas. Pode-se dizer que o enorme barateamento dos custos de comunicação e tratamento da informação redefine os mercados e as empresas, podendo afetar, também, os limites das entidades governamentais.

 

Neste novo contexto, passa-se a ter novas maneiras de fazer negócios, onde os serviços crescem de importância e, ao mesmo tempo, enquanto desaparecem alguns intermediários, surgem outros; as empresas passam a colaborar mais ao longo da cadeia de suprimento; e os preços fixos vão sendo substituídos por preços variáveis em função das condições de mercado. Uma mudança cultural se faz necessária: a empresa não pode ser mais pensada como entidade isolada, e a noção de espaço geográfico mudou, dentro e fora da empresa.

 

Devido aos efeitos simultâneos de redução de custos de mercados e hierarquias,  não se pode com exatidão fazer qualquer previsão sobre suas tendências futuras. Entretanto, como elemento de debate, no que se segue procura-se esboçar, de forma meramente especulativa, algumas possíveis rotas de evolução do espaço empresarial.

 

Esboçando-se um cenário empresarial tentativo, espera-se ter um maior crescimento das firmas com globalização de mercados, uma maior separação de atividades periféricas em firmas independentes, com crescimento de associações, “franchises” e alianças (apoiadas via rede) e um foco diferenciado nos (grupos de) consumidores

 

Em uma primeira sugestão sobre os cenários prováveis, a globalização de alguns mercados, ao menos, está acontecendo, o que parece reforçar a tendência de globalização das empresas que neles atuam, aumentando sua escala. Ao mesmo tempo, esse crescimento, aliado às maiores facilidades de inter-relacionamento empresarial oferecidas pela tecnologia, indica uma possível separação de atividades complementares em empresas separadas especializadas, de modo a distribuir e focar a responsabilidade gerencial.

 

Segundo Stiegler (1968)[6], são as limitações de mercado que inviabilizam a terceirização de parte das atividades das firmas. Nesse sentido, a expansão dos mercados provocada pela Internet age como elemento facilitador para que estas atividades complementares possam ser mais eficientemente conduzidas em firmas separadas, reforçando o processo de especialização das empresas no seu negócio central.

 

Do ponto de vista dos acionistas, parece também ser mais adequada esta especialização, aumentando a nitidez dos riscos e retornos envolvidos em suas aplicações e facilitando um ajuste mais fino da administração de seus riscos, pela diversificação de suas carteiras.

 

Institucionalmente, todo esse processo de transformações, de mudanças empresariais e de globalização dos mercados, com a expansão dos existentes, e com o surgimento de novos mercados, só viáveis em escala global, deverá gerar muitos e complexos problemas, ultrapassando, inclusive, as fronteiras nacionais.

 

Cada vez mais “as regras do jogo” vão tendo que se universalizar para lidarem com este fenômeno. A progressiva convergência dos padrões de demonstrações contábeis em vários países é um apenas um exemplo dessa tendência de “padronização” institucional.

 

Para levar esse processo a soluções eficientes e do interesse da sociedade, mudanças institucionais terão que ser perseguidas. Alguns pontos preliminares, merecedores de atenção, referem-se a como contratar através da Internet e como se aproveitar das novas facilidades para dar maior transparência a esses contratos; como lidar com as barreiras existentes para o comércio internacional face à integração global de empresas e consumidores; como regular os novos mercados emergentes; e como redefinir o papel regulador do governo nesse novo contexto.

 

As regras que delimitam as transações comerciais e contratos terão, inevitavelmente, que ser reformuladas para lidarem com as negociações realizadas via Internet. Em particular, novas formas de viabilizar o envolvimento de uma “terceira parte” para fazer valer transações realizadas no espaço virtual terão que ser pensadas.

 

Dada a abrangência dessas transformações, será necessário lidar não apenas com a reformulação do conjunto de leis e normas sobre as transações comerciais para englobar as transações eletrônicas em si mesmas, mas, também, entre outras, com questões ligadas ao comércio internacional, ao papel do Estado e das agências reguladoras, às formas de organização empresarial, aos limites dos mercados, etc.

 

Também os modelos jurídico-econômicos de organização das empresas não permanecem estáticos, embora suas mudanças demorem para ser incorporadas e percebidas. As mudanças observadas podem ser apenas alguns sinais iniciais. Transformações mais radicais podem estar se formando.

 

Antes de encerrar, face às similaridades aqui apontadas entre as estruturas hierárquicas de governo e empresarias, vale lembrar que a redução dos custos de gestão das empresas também acontece a nível das entidades de governo, e que as mudanças relativas entre os custos de mercado e gestão devem afetar, também, seu tamanho ótimo, suas formas de interação com o mercado e seu papel regulador. A eficiência das soluções dependerá de como evolua, em contrapartida, o aparelho legal e normativo. 

 

 

7.      Referências

 

Anghern, A. A. (1997) , “The Strategic Implications of the Internet”, Insead, The European Institute of Busineess Administration, Fontainebleau.

 

Barnard, C. (1938), “The Functions of the Executive , Harvard University Press, 30th anniversary edition, Cambridge, Massachusetts, 1968 (1st. Edition 1938)

 

Coase, R. H. (1937), “The Nature of the Firm”, Economica, 4, Novembro; também publicado em: “The Firm, the Market and the Law”, R. H. Coase (1988), The University of Chicago Press, Chicago; e, ainda, em: “The Nature of the Firm, Origins, Evolution and Development”, O. E. Williamson e S. G. Winter (ed.) (1993), Oxford University Press, Oxford.

 

Cohendet, P., P. Llerena  e L. Marengo (1998), “Theory of the Firm in an Evolutionary Perspective: A Critical Assessment”, 2nd. Annual Conference of ISNIE, Paris.

 

Demsetz, H. (1992), “The Emerging Theory of the Firm”, Actas Universitatis Upsalienese, Upsala.

 

Demsetz, H. (1995), “The Economics of the Business Firm, Seven Critical Commentaries”, Cambridge University Press, Cambridge.

 

Friedman, D. (2000), “Contracts in Cyberspace”, School of Law and Department of Economics, Santa Clara University, www.best.com/~ddfr/ . 

 

Froomkin, M. A., e J. B. de Long (1997), “The Next Economy?”, www.law.miami.edu/~froomkin/articles/mewecon.htm.

 

Hart, O. (1995), “Firms, Contracts and Financial Structure”, Claredon Lectures in Economics, Clarendon Press, Oxford University Press , Oxford.

 

Milgrom, P. e J. Roberts (1992), “Economics, Organization and Management”, Prentice Hall, New Jersey.

 

North, D. C. (1990), “Institutions, Institutional Change and Economic Performance”, Cambridge Universitiy Press, Cambridge.

 

Pimentel, R.F. (2000), “A Internet e a Organização da Produção”, “Workshop sobre Transações Eletrônicas”, Congresso Jurídico do Sistema Financeiro, organizado pela Escola Nacional de Magistratura, Cabo de Santo Agostinho, Pernambuco.

 

Shapiro, C. e H. R. Varian (1999), “Information Rules, A Strategy Guide to the Network Economy , Harvard Business School Press, Boston, Massachutetts.

 

Smith, M. D., J. Bailey e E. Brynjolfsson (1999), “Understanding Digital Markets: Review and Assessment , http://ecommerce.mit.edu/papers/ude.

 

Stiegler, G. (1968), “The Organization of Industry”, The University of Chicago Press, Chicago.

 

Williamson, O. E. (1975), “Markets and Hierarchies; Analysis and Antitrust Implications”, The Free Press, MacMillan, New York.



[1] Conforme Williamson (1975), as transações hierárquicas são aquelas onde uma única entidade administrativa engloba ambos os lados da transação, de propriedade comum e envolvendo alguma forma de subordinação

[2] As questões relativas à dimensão das empresas têm sido objeto de inúmeros trabalhos, dentro do que se tem convencionado chamar de a “Nova Teoria da Firma”; veja-se, por exemplo, Demsetz (1992 e 1995), Hart (1995) e Milgrom e Roberts (1992).

[3] Veja-se Coase (1937)

[4] Pimentel (2000).

[5] Friedman (2000) levanta a tese que os contratos, via Internet, deverão cada vez mais se apoiarem, formal e informalmente, na reputação dos agentes.

[6] Veja-se o Capitulo 12, “The Division of Labor is Limited by the Extent of the Market”, da obra referida.