SETOR ELÉTRICO BRASILEIRO EM TRANSIÇÃO - REGULAMENTAÇÃO E MERCADO

 

Ruderico F. Pimentel

Professor do Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Produção da Universidade Federal Fluminense

 

 

 

RESUMO

 

Nas duas últimas décadas, mudanças na organização do setor elétrico se disseminaram no mundo, a partir de experiências pioneiras no Chile e no Reino Unido. Estas alterações tiveram em comum a busca da introdução de elementos de concorrência, em um setor, antes, totalmente regulado e, quando cabível, a transferência da propriedade das empresas do Estado para o setor privado.

 

Este processo alcançou, também, o Brasil, que está passando por um completo redesenho de sua estrutura institucional. As alterações aqui inicialmente efetuadas foram parciais e não sofreram o amplo debate que teria sido necessário. Situação esta que ficou ainda mais em evidência em função da recente crise no abastecimento. Esforços para o ajuste do modelo setorial estão em andamento.

 

Este trabalho destaca rapidamente algumas das motivações e elementos comuns a essas transformações a nível mundial, para concentrar-se na discussão da opção entre regulamentação e mercado, particularmente no que concerne ao setor elétrico brasileiro.

 

Ambas as opções estão sujeitas a falhas, mas o uso parcial do mercado traz incentivos à eficiência e à inovação, para cujo aproveitamento as “regras do jogo” necessitam ser suficientemente discutidas e adequadamente reformuladas, em particular naquilo que se refere  à promoção da expansão do suprimento.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


1.       Introdução

 

Na ultima década, o setor de energia elétrica brasileiro evoluiu de uma atividade predominantemente estatal para um novo padrão de governança, com uma participação privada significativa, principalmente no segmento de distribuição, onde uma grande parte das empresas está, hoje, sob o controle do capital privado, assim como uma parcela menor do segmento de geração.

 

Essa transformação trouxe conseqüências de natureza institucional imediatas e, em particular, para a discussão dos critérios de estabelecimento dos preços da eletricidade, questão que, no passado recente, era quase interna à área governamental, afetando principalmente os conflitos entre interesses estaduais e federais e a compatibilização das necessidades setoriais com os anseios dos consumidores em geral. Sempre dentro de um espaço empresarial em que os objetivos eram diretamente dominados (ou deveriam ser) pelo interesse público.

 

Problemas de eficiência gerencial à parte, as cíclicas crises setoriais refletiam os fortes impactos sobre os preços da eletricidade, provocados pelas políticas de contenção da inflação, pela necessidade governamental de captação de recursos externos alavancados pelos grandes projetos e por políticas implícitas de transferência de renda entre regiões e entre segmentos de consumidores, seja diretamente, via preços, seja indiretamente, pelo convívio quase que permanente com situações crônicas de inadimplência.

 

Não obstante o interesse de investidores minoritários privados, a gestão das empresas estatais sempre privilegiou os objetivos de seus controladores e, portanto, acabava se compondo com as fortes limitações de preços impostas pelo governo. Nesse cenário, a regulamentação setorial operava apenas dentro dos limites estreitos deixados pela política econômica de curto prazo. Como os investimentos seguiam outra lógica que não a da rentabilidade, esta situação, embora desorganizadora e onerosa, não impedia a expansão do setor.

 

Como o mercado descontava este comportamento no valor das ações, os minoritários já haviam incorporado essas dificuldades em suas expectativas de valor e a difícil compatibilização de interesses não gerava maiores conflitos. Uma de suas conseqüências danosas, todavia, era limitar em muito o uso dos mercados como instrumento de captação de recursos setoriais, ficando restrita a obtenção de recursos às alternativas de débito, com garantias firmes do governo.

 

Nos períodos de crise, como as contas não fechavam, o tesouro nacional acabava arcando com os prejuízos, em uma ciranda de inadimplências, e, em ultima análise, os custos finais eram bancados indiscriminadamente e sem transparência pelos contribuintes em geral.

 

À medida que o contexto recessivo dos anos oitenta foi se agravando, com o controle tarifário exercendo maiores pressões sobre as tarifas, e com o endividamento público crescendo, este sistema foi ficando cada vez mais difícil de ser mantido.

 

Com a privatização, que veio como resposta ao esgotamento do modelo anterior e aos anseios por mudanças, este sistema de acomodação às contenções tarifárias se inviabilizou por completo.  Até mesmo para permitir que as empresas fossem vendidas sem requerer prêmios absurdamente elevados de risco, teve que ser estabelecido um sistema mínimo que gerasse confiança no respeito às regras comerciais, apoiado nos contratos de concessão.

 

Mais que isso, todo o processo de ampliação da gestão privada é, ele mesmo, parte integrante de um processo maior de reformulação institucional, onde, a exemplo de inúmeros outros países, se procura introduzir em sua estruturação novos fatores, promotores de uma maior eficiência, tanto pela mudança do esquema de governança, como pela introdução, no que possível, de uma maior exposição das empresas à concorrência.

 

Os novos desenhos institucionais têm se caracterizado pela modificação das antigas sistemáticas de regulamentação de preços, liberando parcelas para serem formadas pelo mercado e introduzindo, nas parcelas que permanecem reguladas, mecanismos de incentivo capazes de fazer com que gestões orientadas pela busca de resultados partilhem com os consumidores de ganhos oriundos de incrementos de produtividade que consigam obter.

 

Com a privatização, mais do que uma mudança de controle das empresas, se substituiu grande parte de um sistema estritamente hierárquico de alocação de recursos por uma alocação dependente dos sinais de mercado.

 

Havendo, agora, inúmeras empresas privatizadas, negociadas com base nas expectativas de fluxos futuros de caixa e na necessidade de que novos investidores se sintam atraídos a investir na expansão, a questão do preço torna-se muito mais crítica para a coordenação da alocação dos recursos setoriais,.

 

Com a retirada da ação direta do governo, as possibilidades de captação de novos recursos, tanto via débito quanto via emissão de ações, não mais garantidos pelo tesouro nacional, vão depender diretamente das perspectivas de rentabilidade das empresas e de sua imagem no mercado.

 

No caso específico brasileiro, com taxas de crescimento do consumo de eletricidade muito acima dos valores encontrados nos países desenvolvidos, onde se formaram os principais paradigmas das mudanças setoriais, e com a possibilidade de desenvolvimento de projetos hidrelétricos de longo tempo de maturação, a questão dos incentivos adequados aos novos investimentos é ainda mais essencial.

 

Umbilicalmente integrados os movimentos de privatização e de reformulação institucional, fica claro que, no novo sistema, a eficiência da alocação de recursos setoriais resultante está diretamente dependente dos critérios de formação de preços e, também, de um correto tratamento dos mecanismos de promoção da expansão, cuja lógica econômica muda radicalmente.

 

No setor elétrico, como em qualquer outro, não existem obras sem fontes de recursos que cubram seus custos. No sistema antigo, tinha-se uma maior flexibilidade para acomodá-los entre consumidores e contribuintes, mas sempre sem clareza, de forma implícita e deixando espaço para manipulações diversas.

 

Se o novo sistema privatizado traz problemas novos, nele a distribuição de custos e benefícios é realizada em função direta dos preços de mercado de seus insumos e seus produtos, o que torna muito mais difícil essa acomodação. Onde necessária, via subsídios diretos ou taxas de juros reduzidas, ela tem que ser muito mais clara e transparente.

 

Para que se possa usufruir destas vantagens, entretanto, necessita-se, ao lado de preços com sinais econômicos corretos, definir-se com clareza o papel promotor, complementar, do Estado, sem o qual, diante da natureza dos investimentos, intensivos em capital e com longo prazo de maturação e de retorno, dificilmente a expansão se dará na forma adequada.

 

A questão das regras setoriais passa a ser muito mais urgente. Como o processo de transição institucional só foi parcialmente efetivado, inúmeros aspectos das “novas regras do jogo” estão, ainda, sendo equacionados, sendo que alguns princípios centrais ainda não foram devidamente firmados nem, talvez, adequadamente discutidos em espaços representativos mais amplos. Uma escolha correta é fator determinante de eficiência para o setor.

 

Não se trata apenas de tópicos de interesse técnico pontual, mas de questões mais gerais, com fortes impactos econômicos e sociais. No momento em que este trabalho está sendo escrito, pesa, em particular, sobre o desenho do novo modelo, a questão do desabastecimento, reflexo de uma retirada brusca do Estado, não acompanhada pela imediata criação de instrumentos e condições que promovessem e viabilizassem os investimentos privados em grandes projetos de geração, principalmente nos projetos hidrelétricos indispensáveis, pelo menos até que a disponibilidade de gás natural seja muitas vezes multiplicada.

 

Não existe mercado em abstrato e sim espaços concretos de mercado, delimitados claramente por legislação, normas e instituições. Assim, não se pode imaginar que a mera disponibilização aos atores privados, de ações antes  exercidas pelo Estado no setor elétrico, possa levar a uma substituição de agentes bem sucedida, sem uma redefinição das fronteiras e relacionamentos entre as decisões hierárquicas e as de mercado. Apenas com um correto e delicado balanceamento desses limites é que se poderá proporcionar as condições adequadas para  um desenvolvimento setorial eficiente.

 

Face à complexidade dos problemas envolvidos, marcados  pelas especificidades características do sistema brasileiro, acredito que o processo de aprimoramento institucional esteja requerendo um amplo debate, que ajude a encontrar as soluções mais adequadas. Sem pretender aqui ir muito além da apresentação de alguns dos traços mais gerais desse processo, o presente trabalho procura acrescentar algumas considerações sobre as dimensões regulada e concorrencial dos critérios de estabelecimento dos preços da eletricidade e seus impactos sobre a expansão da oferta.

 

Ele se vincula e baliza um programa de pesquisa sobre o setor elétrico conduzido no âmbito da Universidade Federal Fluminense e se apoia, em parte, nos resultados dos estudos mais detalhados, sobre critérios para a regulamentação de preços, em Brasil Neto (2001), e sobre a concorrência pelos consumidores livres na fase de transição, em Araujo (2001), desenvolvidos no período 1999-2001.

 

Vale destacar que um assunto complementar, o da regulamentação da qualidade, foi tratado em outro estudo, dentro desse mesmo programa, por Braga (2000), e que alguns outros temas correlatos estão em desenvolvimento, para os quais este trabalho visa a servir de referência.

 

Este texto está estruturado em seis itens, sendo que inicialmente, em 2, descrevem-se alguns aspectos gerais das transformações por que têm passado os setores elétricos de diversos países nos últimos vinte anos e algumas de suas motivações mais diretas, para referenciar a discussão subsequente.

 

A seguir, em 3,  procura-se discutir as relações entre regulamentação e mercado no setor elétrico e as possíveis alternativas que uma sociedade pode adotar para estabelecer os preços da eletricidade, face aos problemas criados pela necessidade de se aproveitar as vantagens inerentes aos monopólios naturais.

 

Concluídas as observações de caráter mais geral, foca-se, então, no quadro setorial brasileiro. Em 4, partindo-se das formas que têm sido historicamente usadas para a regulamentação do preço da energia elétrica no país, discute-se a evolução recente do quadro institucional e a sistemática que tem sido adotada para a definição dos preços regulados para as empresas de distribuição.

 

No item 5, comenta-se o processo atual de introdução da concorrência e de formação dos preços da geração a curto e a longo prazo, aponta-se a ausência efetiva de competição pelos consumidores livres que deveria fornecer os primeiros exemplos de concorrência a nível do varejo e discute-se as questões ligadas à expansão da geração na presente fase de transição

 

Completa-se o trabalho, em 6, sumariando algumas considerações críticas sobre o processo de mudanças do setor de energia elétrica no Brasil e a construção de uma nova realidade institucional setorial.

 

Mesmo na impossibilidade de uma solução ideal, alguns erros podem ser evitados e o debate amplo de alguns princípios gerais pode facilitar no aprimoramento das opções em vigor. Tanto os mecanismos de competição quanto a regulamentação no setor elétrico inevitavelmente têm falhas e a escolha deverá ser sempre pelo sistema de formação de preços menos imperfeito. Somente a partir da consciência dessas limitações é que se pode buscar aprimorar suas regras.

 

O processo de transição para um novo modelo setorial ainda convive com muitas pendências importantes. Ele precisa avançar na busca de maior eficiência alocativa, tanto na ampliação do grau possível de concorrência, ainda muito incipiente, quanto nas regras e instrumentos que delimitam o sistema de preços e que garantam o apoio necessário à uma expansão racional do sistema.

 

 

2.      Quadro Geral e Motivações das Transformações do Setor Elétrico – Casos Paradigmáticos

 

A nível mundial, nas últimas duas décadas do Século XX, após os sobressaltos no panorama energético, trazidos pelos choques de preços do petróleo, acelerou-se um intenso processo de transformações institucionais do setor elétrico, marcado sempre pela privatização (quando cabível) e pela busca da introdução de elementos de concorrência e de estímulos aos ganhos de produtividade, com um complexo conjunto de motivações e consequências.

 

Depois de um longo período, ao longo da primeira metade do Século XX,  em que, apoiados em ganhos de escala, os custos da eletricidade vieram se reduzindo, transformando a eletricidade em um produto de uso amplo e generalizado, os ganhos de produtividade se interromperam, ameaçados por problemas nas disponibilidades de suas fontes e pela necessidade de limitar seus impactos ambientais negativos.

 

Essa situação foi ainda agravada pela rigidez dos elevados investimentos nas unidades geradoras, que caracteriza o setor, já que, uma vez efetuados, dificilmente podem ser revertidos, requerendo ainda muitos anos para sua amortização.

 

Sob a perspectiva de um preço alto e crescente dos derivados de petróleo, viabilizaram-se diferentes projetos de produção de eletricidade, com contratos a longo prazo, a custos unitários hoje considerados muito elevados, balizados por elevados custos de referência da geração a combustíveis fósseis. Normalizado o mercado de derivados, não era tão simples reverter seus impactos sobre o setor elétrico. Situação que ficou ainda mais polêmica com a evolução tecnológica posterior, que veio barateando a geração a  gás natural.

 

A este quadro de tensões, geradas por pressão dos custos crescentes, somava-se uma tendência quase generalizada mundial de retirada do Estado do papel de provedor direto de produtos e serviços, o que no setor elétrico tinha sido uma opção de inúmeros países.

 

No ambiente empresarial estatal, acomodam-se com mais facilidade os objetivos estratégicos do seu controlador, mesmo quando estes conflitam com a obtenção esperada de resultados. Essa possibilidade, que pode ser positiva para a correção de falhas de mercado, entretanto, facilita a preservação de soluções antieconômicas, quando grupos de interesse encastelados as apresentam como de interesse público, tornando muito mais difícil para essas empresas corrigirem rumos, face a mudanças de cenário.

 

As pressões da sociedade pela redução dos custos e por uma alocação de recursos mais eficientes vieram desaguar em um movimento de reformas setoriais que, ao lado da ampliação da participação privada, permitiu eclodirem diversas propostas de mudanças nos modelos vigentes, os quais de uma forma geral estavam,  em sua prática, por demais associados ao modelo de governança estatal.

 

Com alguns traços gerais identificáveis, esse processo se deu, em cada país, sob circunstâncias específicas e com particularidades próprias. Mesmo sem entrar mais em profundidade, alguns aspectos e motivações gerais podem ser facilmente identificados.

 

No principal paradigma de mudanças institucionais mundiais, a transformação do sistema elétrico do Reino Unido teve como principais características a privatização das empresas e a desverticalização do setor, segmentando as atividades de geração, transmissão e distribuição, como ação necessária para a introdução da competição na geração, inicialmente no atacado e, progressivamente, no varejo.

 

Entre a segmentação empresarial das atividades e a mera abertura de acesso às redes, opção alternativa, as mudanças no Reino Unido seguiram a primeira abordagem, mais radical, certamente facilitada pelo processo bastante mais anterior de nacionalização que havia concentrado o setor sob controle de empresa estatal única.

 

Se o resultado da introdução da competição ainda não pode ser claramente identificado, as conseqüências nítidas das mudanças foram sentidas, por um lado, nas formas de geração, com a expansão do gás natural, em detrimento das usinas nucleares, e com o fechamento de usinas a carvão doméstico e, por outro lado, em dramáticas reduções dos quadros de pessoal das empresas.

 

Vale comentar que a opção pela segmentação plena das atividades também não pode ser ainda corretamente avaliada, já que, ao lado de vantagens competitivas e de uma maior transparência de custos, ela traz novas dificuldades para o processo de alocação de recursos e coordenação, substituindo relações de propriedade e decisões hierárquicas por relações contratuais e decisões de mercado, nem sempre mais eficientes que as primeiras.[1]

 

O outro exemplo internacional mais significativo de mudanças no setor elétrico, talvez seja o dos Estados Unidos, com características bastante diferentes do modelo inglês, devido ao seu desenho original, com grande independência regulatória entre os estados e com um setor majoritariamente privado e extremamente fragmentado, com um grande número de empresas com características bastante diferentes entre elas, tanto em termos de  propriedade, como de tamanho e grau de verticalização.

 

Lá, as principais mudanças se ligaram às tentativas de introdução da competição na geração, geralmente no atacado, e, em alguns casos, no varejo, com a abertura do acesso às redes, acompanhada ou não de um maior nível de segmentação.

 

Entre os principais de fatores alavancadores do processo, estão, também, como no Reino Unido, os avanços tecnológicos das plantas a gás natural e a maior penetração dessa forma de geração, mais eficiente e, pelo menos potencialmente, mais barata. Principalmente, os estados norte-americanos em que as transformações institucionais estão mais avançadas são exatamente aqueles em que antes vigiam custos muito elevados de geração, resultando em preços finais bastante acima da média nacional[2].

 

As possibilidades de geração mais barata deixavam as empresas sob o permanente risco de não conseguirem recuperar os custos de parte significativa de seus investimentos anteriores, o que as tornava mais suscetíveis a negociações com os reguladores e menos resistentes às mudanças, desde que lhes fosse assegurado algum nível de remuneração dos investimentos.

 

Este foi, tipicamente, o caso do Estado da Califórnia, onde as principais concessionárias locais tinham elevados custos de geração, principalmente de origem nuclear e de formas renováveis, estes últimos através de contratos compulsórios de longo prazo, realizados por força de legislação editada em 1978, que visava a responder às ameaças de crescimento dos preços do petróleo.

 

Com a permissão dos reguladores para que essas empresas pudessem cobrar parte de seus custos encalhados (stranded costs) em alíquota específica na tarifa regulada, foi possível chegar-se a um consenso, que facilitou a introdução de mudanças radicais do modelo setorial estadual.

 

A implantação de um novo quadro institucional e a gestão de mudanças em um setor com as complexidades do setor elétrico, envolvendo interesses de tantos e tão diferenciados agentes, não é tarefa simples. Ao lado da experiência bem sucedida do Reino Unido, o exemplo recente dos problemas enfrentados pela Califórnia serve para mostrar como este processo é difícil e passível de erros.

 

Apesar do cuidadoso processo de negociação e preparação do novo desenho competitivo da Califórnia, que envolveu audiências públicas, estudos conjuntos e entendimentos entre as empresas, acompanhados de perto pelo regulador, sua implantação tem sido comprometida por sérias dificuldades de abastecimento que tiveram seu ápice no verão do ano 2000, em parte originadas por deficiências no desenho do novo sistema.

 

Um conjunto de fatores, incluindo uma forte resistência local dos grupos ambientalistas à instalação de novas usinas, um crescimento expressivo do consumo e fortes pressões sobre os preços do gás natural, cuja oferta não havia sido devidamente ampliada, se uniram para levantar extraordinariamente os preços da geração.

 

Ao mesmo tempo, falhas no modelo regulatório liberaram os preços no atacado, mas limitaram os preços aos consumidores finais, congelados por alguns anos, na expectativa inversa de custos decrescentes de geração, os quais, mantidos os preços finais, poderiam gerar recursos extras para recuperação de custos encalhados. A reversão das expectativas fez com que essa situação se tornasse destrutiva para as empresas distribuidoras, que, comprando a preços elevadíssimos e vendendo a preços fixos,  foram levadas a uma situação falimentar.

 

A impossibilidade de instalação de novas usinas[3] na Califórnia mostra que mesmo os sinais mais fortes de mercado podem não ser capazes de, por si só,  dependendo das circunstâncias,  resolver adequadamente a questão da expansão quando a demanda cresce muito, sem uma ação mediadora e promotora do governo.

 

 

 

3.      Regulamentação,  Mercado e Formas de Formação de Preços

 

A coordenação da oferta e demanda dos diversos produtos é feita, em uma economia capitalista, pelo sistema de preços. Estes, ou são formados livremente pelo mercado, ou são definidos a partir de uma intervenção maior ou menor dos agentes reguladores. Considerações distributivas à parte, na situação concorrencial ideal pode-se mostrar que os preços de mercado levam a uma alocação eficiente de recursos[4].

 

Face ao distanciamento dos mercados reais das condições ideais dos modelos de concorrência perfeita, entretanto, torna-se inevitável a participação reguladora do Estado no processo de determinação dos preços de alguns produtos[5].

 

No caso do setor elétrico, a ocorrência de inúmeras imperfeições de mercado torna necessário um significativo grau de envolvimento de seu regulador.

 

A condição de monopólio natural apresentada pelas redes de transmissão e distribuição é, talvez, o ponto mais notável que faz com que o preço a ser pago pela prestação desses serviços tenha que ser obrigatoriamente regulado. O monopólio natural tem vantagens econômicas óbvias, porém requer regulamentação. Espera-se que as vantagens trazidas pela situação monopolista sejam também partilhadas pelos consumidores e que compensem largamente as ineficiências inerentes à regulamentação.

 

Aceitas as vantagens da opção monopolista, há que se pagar o preço da imperfeição da regulamentação, onde a alocação de recursos, em vez de coordenada pelo sistema de preços, passa a ser fruto de um processo hierárquico de decisões, sempre relativamente arbitrário, sob o controle do agente regulador.

 

Mais ainda, devido ao fenômeno de informação assimétrica entre o regulador e a firma regulada, o primeiro não tem meios de aplicar com precisão qualquer conceito ideal em que se apoie para a definição dos preços, já que é praticamente impossível para o mesmo conhecer com exatidão os custos e as necessidades das empresas. O conflito inerente de interesses, da firma buscando maximizar seus retornos e do regulador buscando um preço “justo”, reforça esta dificuldade e é parte integrante do contexto monopolista regulado.

 

Preços muito elevados transferem renda para as empresas, que deveria ser partilhada com os consumidores; preços muito baixos inviabilizam as empresas eficientes e sua necessária expansão, afugentado o capital da atividade. O desafio do preço regulado é encontrar o equilíbrio entre esses dois pólos e, ao mesmo tempo, penalizar ineficiências e preservar estímulos para ganhos de produtividade.

 

O inevitável exercício de poder discricionário pelo regulador levanta ainda inúmeros problemas de representatividade, já que (1) não é simples a identificação clara dos interesses da sociedade, que devem nortear a ação do regulador, e (2) tem-se sempre a possibilidade de sua captura por algum dos diversos grupos de interesse que se formam em torno do setor elétrico. Embora menos comumente destacado, também pode-se ter imperfeições decorrentes da ocorrência de conflitos de interesses[6] entre o regulador e a sociedade em geral, cujos interesses o regulador deve representar, similares ao que se passa no interior de qualquer estrutura hierárquica, com delegação do poder de decisão.

 

Aqui, também, como nas empresas, as soluções, imperfeitas que sejam, passam pela necessidade de monitoramento constante do regulador pelas entidades representativas da sociedade. Complementarmente, é necessário que se separe melhor o que são medidas de políticas mais amplas e o que é específico do papel do regulador, funções que têm sido muitas vezes erradamente confundidas.

 

Nos segmentos de geração e comercialização algum nível de concorrência pode ser introduzido, o que pode, pelo menos em parte, substituir a necessidade de intervenção da regulamentação. Mesmo, porém, quando isso é viável, a opção institucional que se tem é entre duas alternativas, ambas imperfeitas, com falhas, já que por mais que se procure estimular a concorrência, o número de possíveis ofertantes é sempre relativamente reduzido.

 

Essas dificuldades têm sido empiricamente constatadas, pelo menos até onde se pode observar das experiências pioneiras recentes. No Reino Unido (veja-se, por exemplo,  Wolak e Patrick (2001) e Newberry (1999)) e na California (veja-se Bornestein, Bushnell e Wolak (2000) e Joskow e Kahn (2000)) têm sido identificadas, em diferentes trabalhos empíricos recentes, fortes evidências de ocorrências do exercício de poder de mercado pelos geradores, atuando fortemente sobre a formação de preços, principalmente nos momentos de escassez.

 

Isto não significa que o mercado não deva ser usado nesse sentido. Porém, fica bem claro que ele tem falhas e que tem que ser acompanhado de ações institucionais, incluindo medidas regulatórias complementares.

 

Deve-se ainda observar que, ao se liberar a competição na geração, no todo ou em parte, está se mesclando na formação dos preços finais um sistema de mercado com um regulado, o que requer criterioso ajuste. Se a parcela regulada não for absolutamente neutra face aos diferentes agentes, a competição poderá tanto não ocorrer, como, pior ainda, pode ser totalmente distorcida.

 

 

A Concorrência e os Preços da Geração

 

No caso da geração, se totalmente regulada, sua formação de preços recai no quadro geral, válido para os segmentos de transmissão e distribuição, que serão examinados no que se segue. Aceitando, porém, que seus preços sejam estabelecidos por mecanismos competitivos, uma série de novas questões ficam pendentes para serem normatizadas.

 

Um ponto de natureza geral refere-se ao fato de que, na maioria dos países em que a competição na geração tem sido introduzida, ela ou têm sido limitada à competição nas vendas no atacado pelas geradoras às distribuidoras e grandes consumidores, ou tem sido mais ou menos gradualmente levada até aos consumidores finais em geral.

 

A competição exclusivamente no atacado tem o problema de que nela os consumidores finais de pequeno e médio porte não participam, ou melhor, estão indiretamente representados pelas distribuidoras, que, claramente, não têm obrigatoriamente os mesmos interesses que eles. As duas soluções apontadas para este problema têm sido ou obrigar que as distribuidoras comprem através de licitações, ou o estabelecimento de um limite máximo nos preços que as mesmas podem repassar aos consumidores finais.

 

Ambas têm imperfeições, já que as licitações de compra de energia realizadas por concessionárias privadas são de difícil controle pelo regulador e que, também, o estabelecimento de um limite no preço repassável à tarifa final é de difícil definição, com as dificuldades inerentes à definição de qualquer preço regulado

 

Liberando-se, todavia, todos os consumidores finais para escolha de seu supridor, diretamente ou através de entidades comercializadoras, e admitindo-se viável o estabelecimento da concorrência efetiva no atacado, os ganhos trazidos por esta nos preços da geração podem ser levados até eles.

 

Com a liberação de todos os consumidores finais para escolha de seu supridor, a questão que se coloca, na verdade, é fundamentalmente a de que se encontre uma forma de organização cuja governança corporativa seja efetivamente adequada para representar os consumidores na compra de geração a preços competitivos, já que, a menos dos grandes consumidores, os demais terão que comprar através de intermediários que agreguem várias demandas individuais.

 

Joskow (2000a) tem defendido que a própria distribuidora possa exercer esse papel de representar os consumidores, desde que os custos da geração comprada no mercado, compensadas as perdas, sejam transferidos diretamente para as contas dos consumidores que se mantiverem representados por sua distribuidora local. Ele destaca que o segmento de comercialização[7], em si mesmo, tem custos inferiores a 5% dos custos totais da energia elétrica e que, portanto, a competição no mesmo não é muito relevante por si mesma[8], ficando a questão restrita aos preços de compra que posam ser alcançados no mercado atacadista.

 

Note-se que, como esse tipo de intermediação ainda é relativamente recente, é possível que novas soluções possam ser desenvolvidas para exercer essa função. Não apenas empresas comercializadoras com fins lucrativos, como até mesmo entidades cooperativadas podem ser tentadas, como alternativas.

 

O que se necessita é dar flexibilidade aos consumidores finais, com soluções nas quais os consumidores insatisfeitos, devidamente informados, possam trocar de comercializador[9], para se formar uma verdadeira competição nesse segmento.

 

Fazendo com que os preços de compra da distribuidora sejam claramente transferidos para os consumidores cativos e permitindo que outras entidades comercializadoras venham a competir por esse mercado, é possível levar os efeitos da competição no atacado até os consumidores finais, superando-se a necessidade de regulamentações complementares, tipo limites máximos (caps) nos preços de geração.

 

À medida que os compradores finais sejam efetivamente bem representados no mercado atacadista, a interferência do regulador nesses preços pode ser quase totalmente eliminada

 

Resta, entretanto, sempre o problema gerado por situações extraordinárias, em que se tenha uma situação estrutural de falta de oferta, que no setor elétrico leva tempo para ser corrigida, mesmo com os estímulos adequados de mercado.

 

Nessas situações, como o sucedido na Califórnia, há possibilidades de ganhos muito elevados pelos geradores, independentemente de qualquer exercício distorcido de poder de mercado. Estes preços, se repassados aos consumidores, levam os preços finais a níveis muito acima da situação normal de equilíbrio. Se bloqueados os aumentos aos consumidores finais, levam à quebra das empresas distribuidoras[10].

 

Acredito, embora reconhecendo que seja um tema bastante polêmico, que em situações especiais dessa natureza, algum limite superior, ainda que capaz de refletir o custo de déficit, deva ser imposto aos preços da geração (e a seus insumos energéticos, se for o caso).

 

 

Preços Regulados na Distribuição e na Transmissão

 

Para os segmentos de transmissão e distribuição, na impossibilidade de podermos contar com a concorrência, dadas as vantagens econômicas de se manter as redes como monopólios, ter-se-ia, teoricamente, dois processos básicos de definição de preços: (a) definição pelo regulador, e (b) negociação direta entre as partes, com preços livremente estabelecidos.

 

Esta última opção, porém, só seria viável se as partes tivessem a possibilidade de organização similar e poder equilibrado, o que, em geral, não acontece no caso em exame. Ainda assim, em casos excepcionais em que isso seja possível, envolvendo grandes consumidores que ainda fossem se instalar ou que tivessem a possibilidade de desenvolver geração própria alternativamente, tem-se todos os riscos de oportunismo e demais problemas inerentes a relações contratuais envolvendo investimentos em ativos específicos (Joskow (1993)).

 

Na impossibilidade de se contar, de um modo geral, com as negociações diretas entre as partes, fica-se restrito, então, à regulamentação direta e, nesse caso, três modos básicos de formação de preço são possíveis:

 

(a)    pelo custo do serviço – onde o preço pago pelo usuário está diretamente ligado aos custos históricos incorridos pelos ofertantes, incluindo uma remuneração pelo capital, que é definida sempre “arbitrariamente”, por mais sofisticados que sejam os instrumentos usados em sua determinação;

 

(b)    buscando simular uma situação hipotética de mercado – onde o preço pago pelos usuários se desvincula dos custos diretos da empresa que os supre e se referencia pelos preços que um “mercado” concorrencial hipotético cobraria, ou seja, pelo custo marginal do mercado, simulando um mercado de concorrência perfeita, ou procurando simular os chamados mercados contestáveis (vide Baumol e Sidak (1995) e Brasil Neto (2001));

 

(c)     de forma discricionária pelo regulador, a partir de, por exemplo, considerações exógenas de política energética ou de políticas redistributivas, nesses casos obedecendo, obrigatoriamente, à orientação de órgãos representativos da sociedade – podendo ou não envolver alguma forma de negociação.


Esta última opção, caso (c), só se justifica em situações específicas e excepcionais, sob o risco de inviabilizar o setor elétrico ao afastar seus preços de sua lógica econômica. Mais ainda, qualquer definição nesse sentido escapa totalmente do âmbito de competência e de delegação de poderes do regulador e deve ser definida em lei.

 

De qualquer modo, na prática, pelas próprios problemas inerentes à regulamentação, sempre algum elemento discricionário[11], mesmo que não intencional, irá entrar na determinação dos preços, afetando a aplicação das alternativas anteriores.

 

O uso das situações hipotéticas de mercado para reproduzir aquilo que a concorrência faria, como base para a regulamentação de preços, caso (b) acima, se possível e desejável fosse, nunca foi efetivamente implementado em termos absolutos, já que no setor elétrico os custos dos novos investimentos podem ser tanto muito menores quanto muito maiores que os custos médios, resultando, no primeiro caso, na impossibilidade da empresa remunerar seus custos e, no segundo, em possível geração de renda econômica excedente significativa.

 

Tanto as possibilidades de ganhos de escala como de introdução de novas tecnologias mais eficientes tendem a fazer com que, em muitas situações, os custos marginais sejam inferiores aos médios. No Brasil, entretanto, o contrário acontece com freqüência e, em muitos casos, o custo marginal é mais elevado que o médio, devido a fatores tais como: extensão das redes a localidades com população esparsa, na distribuição, e o esgotamento do potencial hidrelétrico mais barato e a introdução de térmicas ou hidrelétricas mais caras, na geração.

 

O uso de custos marginais tem sido mais empregado para formar a estrutura de preços segundo os diferentes tipos de consumidores, nas diferentes estações e horas do dia. Nesse sentido, uma proposta a ser melhor examinada é a de se procurar uma solução tipo “second best” ( usando-se princípios de Ramsey, conforme Baumol e Sidak (1995)), ajustando-se o preço médio pelo custo do serviço e os preços relativos inversamente proporcionais às elasticidades, em cada caso. Devido às dificuldades práticas para que o regulador consiga identificar as elasticidades de cada "“produto", Baumol e Sidak propõem, definidos um preço médio e limites inferiores e superiores para cada preço individualizado, deixar às próprias concessionárias a realização desse ajuste, já que elas têm melhor conhecimento de seus consumidores e que o interesse das mesmas convergiria naturalmente para a proposta de Ramsey.

 

Um outro obstáculo à determinação precisa e uso dos custos marginais é que estes, em tese, deveriam ser aqueles gerados pelo mercado e não pela empresa regulada (que seria uma “price taker”). Mas, na ausência de competidores reais nas condições específicas de cada empresa, o valor mais próximo que se tem para estes custos são os da própria empresa regulada. Na melhor das hipóteses, o regulador é obrigado a construir um tipo de “empresa eficiente ideal” ajustada às circunstâncias específicas de cada caso, para então estimar os custos marginais.

 

Mesmo a proposta um pouco menos restritiva de Baumol e Sidak, em que algumas condições exigidas pela concorrência perfeita são relaxadas, privilegiando apenas a possibilidade de entrada e saída, sem custos, de novos competidores, envolve o uso dos custos marginais e a determinação de custos de referência que seriam praticados por virtuais competidores, não se tem notícia de nenhuma aplicação prática da mesma no setor elétrico.

 

Deve-se observar, ainda, que, na verdade, não se tem na prática formas puras de regulamentação de preços. Além disso, devido aos custos que inviabilizam a possibilidade teórica de se obter informações completas, sempre algum elemento discricionário estará envolvido na determinação dos custos na visão do regulador, sejam marginais, sejam médios.

 

Mesmo pela regulamentação tradicional pelo custo do serviço, a discussão entre o regulador e a empresa sobre que investimentos são “justos” e devem ser usados na base de cálculo da remuneração, assim como que taxa de remuneração deve ser usada, de um certo modo costumava envolver, indiretamente, o custo marginal, ao referenciar essa discussão, por comparar as opções assumidas pela empresa com investimentos alternativos.

 

Em casos em que o desenho regulatório procura se afastar do estabelecimento do preço pelo custo médio do serviço, em prol de um custo tendendo para o marginal, as dificuldades geradas por custos marginais decrescentes têm levado a soluções discricionárias de acomodação.

 

Exemplo disso pode ser visto nas soluções que têm sido dadas para a transição da formação de preços da geração, de regulada pelos custo do serviço para liberada ao mercado, tendendo para o custo marginal. Nos Estados Unidos, face aos problema dos stranded costs incorridos na construção de usinas[12], na fase de transição institucional, os reguladores têm permitido[13] a remuneração destes custos, embora a taxas de retorno mais baixas que as usuais.

 

Existem, na verdade, inúmeras soluções possíveis para a regulamentação, intermediárias entre (a) e (b), englobando os dois princípios. Por exemplo, a opção pelo custo marginal pode ser feita com base nos custos marginais da empresa, que não são obrigatoriamente os do mercado; uma outra solução híbrida seria regular pelos custos médios, mas não os da própria empresa, e sim com base nos praticados por empresas similares, no que é conhecido como “benchmark competition”.

 

Explicitadas as considerações básicas acima sobre a formação de preços, dois aspectos adicionais importantes devem ainda ser destacados, o primeiro em relação aos aspectos dinâmicos do processo de regulamentação e o segundo sobre as formas de tradução dos custos nos preços, tanto face à heterogeneidades dos sistemas, quanto à ocorrência de externalidades.

 

Em primeiro lugar, a fixação dos preços tem que ser pensada em termos dinâmicos, já que os custos e condições de mercado mudam continuamente. Então, qualquer que seja o critério básico adotado, é necessário atualizar os preços periodicamente e, para isso, pode-se seguir dois tipos principais de procedimentos:

 

(a)   repetir o procedimento básico com alguma periodicidade, tipicamente annual;

 

(b)   repetir o procedimento básico a intervalos maiores, plurianuais (revisões), e trabalhar com reajustes semi-automáticos intermediários; neste caso, alguns mecanismos diferentes podem ser adotados, os chamados:


(b1) “price-cap”, corrigindo os preços por regras pré-fixadas nos reajustes intermediários (usualmente anuais), função da inflação e dos aumentos de custos exógenos;


(b2) “revenue-cap”, corrigindo-se os preços nos reajustes intermediários de modo a manter a receita total abaixo de um dado limite, segundo regras pré-fixadas.

 

O sistema de reajustes e revisões, item (b), foi inicialmente adotado no Reino Unido, por sugestão de Littlechild (Vide Newbery (2000)), e representou significativo avanço nos métodos de regulamentação do setor elétrico, introduzindo claramente elementos de estímulo a ganhos de eficiência para as empresas reguladas.

 

Ambos os modelos (b1) e (b2) proporcionam à empresa estímulos econômicos para buscar ganhos de produtividade no período que vai entre duas revisões sucessivas (usualmente de cinco anos), sendo que o primeiro tipo, mais empregado, é mais adequado quando os custos estão sujeitos a variações maiores. 

 

Em segundo lugar, os custos incorridos pelas empresas de distribuição para atender cada consumidor são diferentes, e sua tradução nos preços é, inevitavelmente, feita por meio de valores médios. Esse problema é parcialmente tratado com a diferenciação tarifárias por tipo de consumidor, hora do dia e estação do ano. Mesmo assim alguma distorções significaticas podem ocorrer, como será apontado mais adiante, ao discutir-se a situação atual de concorrência pelos consumidores livres.

 

É possível que, com a redução dos custos de medição, comunicação e de processamento, venham a acontecer, no futuro, mudanças sensíveis na atual “homogeneidade” de preços da distribuição, principalmente estimuladas pelo quadro de desregulamentação e pelo surgimento de novos agentes, usualmente mais propensos à inovação.

 

No segmento de transmissão, a questão de relacionamento entre preços e custos se coloca, ainda, de maneira muito mais complexa do que na distribuição, em função do forte inter-relacionamento entre os diversos ativos de transmissão, o que exige um difícil rateio de receitas, principalmente nos sistemas em que os diversos trechos da rede podem ser de propriedade de inúmeros agentes diferentes.

 

Quando a linha de transmissão pode ser assumida como parte da concessão de geração, ou então da de distribuição, o estabelecimento do preço por seu uso direto se simplifica, recaindo na transferência direta de custos para preços regulados, acima exposta.

 

Quando, entretanto, está se falando de uma linha de integração, envolvendo diferentes geradores e consumidores, os efeitos da mesma se distribuem pelo sistema, tanto em termos fluxos de energia, como em termos de confiabiliadade, gerando varias externalidades de difícil contabilização.

 

Do ponto de vista de como determinar as receitas necessárias para remunerar os investidores, continuam valendo as mesmas hipóteses anteriores, levantadas para o estabelecimento de preços para redes em monopólio natural. Mas, no momento em que se vai traduzir estes custos em preços, surgem as dificuldades, porque os benefícios ultrapassam de muito o uso direto das linhas e são usufruídos por diversos agentes.

 

Duas principais filosofias têm sido propostas, mundialmente, para como, a partir do volume de recursos necessário para remunerar os operadores de transmissão, definir quanto e a quem cobrar pelo uso das linhas, que são os sistemas alternativos de: (a) cobrança diferenciada em função da localização do consumidor e da carga contratada (nodal), ou (b) cobrança partilhada igualmente por todos os consumidores (“selo postal”). A discussão desse tema ultrapassa de muito o objetivo do presente trabalho e pode ser vista em Newbery (2000).

 

Note-se que as novas formas de estabelecimento dos preços de transmissão formam um exemplo de uma das mais importantes mudanças conceituais que vêm sendo introduzidas nos desenhos institucionais do setor elétrico, que é a separação entre o que acontece no mundo físico e no financeiro, como forma de internalizar externalidades, que, de outro modo, dificilmente seriam consideradas por empresas individualizadas.

 

Também no setor elétrico brasileiro, dominado pela geração hidrelétrica, tipicamente fonte de externalidades, seja entre usinas da mesma bacia, seja entre bacias de regimes hidrológicos diferentes,  sistema similar de separação fisíco-financeira foi adotado, conforme se aponta mais adiante.

  

 

4.      Formação de Preços e Concorrência no Brasil: Evolução Recente

 

 

Motivações das Transformações

 

No Brasil, o anseio por mudanças, dentro do próprio setor[14], já era grande, devido à situação de desorganização financeira dos anos oitenta. Em um processo, que se pode marcar como tendo início no ano de 1993[15], o quadro institucional então vigente, hierárquico, predominantemente estatal e regulado nominalmente pelo custo do serviço, começou a se alterar[16].

 

Acompanhando as tendências internacionais, “as regras do jogo” do setor começaram se modificar, ao mesmo tempo em que os novos atores privados vieram a assumir o controle de parcela significativa das empresas de energia elétrica.

 

Enquanto que, nos países desenvolvidos, elevados preços da eletricidade geravam maiores pressões de grupos de interesse dos consumidores por uma maior eficiência, facilitando as reformas, no Brasil se vivia situação diversa, com um parque gerador basicamente hidrelétrico, com uma geração eminentemente estatal, com seus preços artificialmente contidos por uma política que priorizava o controle da inflação.

 

Ainda sem perspectiva suficiente para uma visão mais completa, acreditamos ser possível agrupar as motivações principais para as mudanças setoriais em dois grupos de fatores. O primeiro deles, ligado ao impacto da globalização e a uma certa tendência a reproduzir aqui aquilo que vai acontecendo nos centros mais desenvolvidos, cuja comunicação nos alcança cada vez mais rapidamente[17].

 

O segundo, mais profundo, ligado à mudança do papel do Estado e à crise quase permanente de inadimplências em que vivia o setor, com tarifas totalmente dissociadas das necessidades setoriais.

 

Uma mudança da lógica que dominava a regulamentação do setor, passando a seguir princípios econômicos mais explícitos, tem sido tanto causa como efeito da criação de condições para a entrada de investidores privados.

 

As maiores forças motivadoras das transformações setoriais foram, possivelmente, as questões de reformulação do papel do Estado e da obtenção de uma maior eficiência alocativa e gerencial, acompanhadas da preservação do equilíbrio econômico-financeiro do setor elétrico, que se havia, ao menos parcialmente, alcançado em 1993.

 

Desse modo, alterou-se, simultaneamente,  a natureza dos agentes empresariais, pelo processo de privatização e de retirada do Estado dos investimentos na expansão, e o desenho do quadro regulador, com crescimento do papel da competição e do mercado.

 

Deve-se observar, ainda, que, em paralelo, no pano de fundo das mudanças institucionais, se colocava (e se coloca), ainda, a questão complexa da ampliação da penetração do gás natural em um setor fundamentalmente hidrelétrico, assim como a da continuidade da expansão hidrelétrica, agora com investidores privados, em um contexto de pouca experiência no país, tanto com os novos modelos de captação de recursos, como de negociações com as fontes de gás.

 

Finalmente, cabe ainda comentar que a radical diferença entre as motivações que levaram às transformações setoriais, no caso brasileiro e nos casos citados da Califórnia e do Reino Unido, onde os preços da energia e, principalmente, da geração estavam bastante elevados, tem consequencias significativas quanto à avaliação e a aceitação desse processo pela sociedade em geral, que, nestes últimos exemplos, era demandado pelos próprios consumidores.

 

No Brasil, como a situação era radicalmente oposta, com os preços de geração extremamente depreciados, a motivação de mudança veio mais de dentro do próprio setor[18], movido pela necessidade de recuperar um desenho institucional com regras estáveis, incluindo preços ajustados, o que, no caso da geração, significa um inevitável reajuste para cima, muito mais difícil de ser absorvido no curto prazo pela sociedade, embora benéfico e mesmo indispensável, a longo prazo.  Note-se que a energia mais cara é aquela que falta.

 

Talvez, por isso mesmo, face ao temor dessas dificuldades pelos agentes envolvidos, é que o processo de mudanças, não tenha sido suficientemente trabalhado no âmbito do Congresso Nacional, deixando, hoje, algumas pendências a serem, inadequadamente, conduzidas pela agência reguladora.

 

A falta de uma explicitação nítida e de uma reflexão mais detalhada sobre as reais motivações para a mudança nas diferentes condições do sistema brasileiro certamente obscureceu pontos fundamentais que, embora identificados, foram negligenciados na formação do novo modelo, em particular os ligados à preservação dos investimentos no sistema hidrelétrico, assim como diversos aspectos da nova sistemática de formação de preços.

 

 

Regulamentação pelo Custo do Serviço com Remuneração Garantida

 

O modelo histórico de regulamentação de preços no Brasil e que foi adotado na maior parte do Século XX, reproduzindo o padrão dos princípios gerais no mundo, na época, era o de regulamentação pelo custo-do-serviço, em que, somando-se todos custos incorridos em todos os segmentos, da geração à comercialização final, desde que fossem considerados justos, e considerando uma remuneração predeterminada para o capital, entre 10 e 12%, chegava-se à tarifa final a ser fixada.

 

Na verdade, esse processo, na prática, estabelecia, na melhor das hipóteses, quando não discricionariamente aplicado,  um padrão de discussão para que, entre o regulador e a empresa, se chegasse a algum valor próximo da remuneração requerida, face aos custos reais da empresa. Face à assimetria de informações inevitável e face, ainda, ao fato de que o preço que se procurava estabelecer valeria para um período futuro, que, embora próximo, estava eivado de incertezas, não se tinha como se ter resultados precisos.

 

Apesar da falta de estímulos econômicos, que promovessem a eficiência e ganhos de produtividade, o sistema tinha a vantagem de garantir que os novos investimentos na expansão do setor seriam incluídos na base usada para cálculo tarifário e, portanto, remunerados a contento, funcionando como estímulo à expansão (no limite, como estímulo à formação de capacidade ociosa excedente).

 

Teoricamente, apesar de seus problemas, o método funcionou por algum tempo e poderia ter continuado funcionando. Na pratica, porém, foi progressivamente desrespeitado, com a tarifa historicamente usada como instrumento (de curto prazo) de combate à inflação, criando problemas graves à expansão do setor a longo prazo, só não agravados porque a natureza estatal das empresas fazia com que as mesmas continuassem a investir, mesmo com uma rentabilidade duvidosa e grandes riscos regulatórios.

 

Como tentativa de aprimoramento das regras de tarifação, buscou-se introduzir o uso dos custos marginais. Estes porém, como acima indicado, têm sua utilização prática limitada à definição da estrutura de preços relativos.

 

 

Processo de Reformas Institucionais

 

A reforma institucional do setor elétrico brasileiro teve suas pré-condições estabelecidas já pela Lei 8.631/93, que, além de promover o equilíbrio financeiro setorial, individualizou as tarifas, anteriormente equalizadas em todo o país, e introduziu fórmula paramétrica para regular o processo de reajuste tarifário

 

São também desta fase inicial os primeiros esforços para a montagem de projetos conjuntos de geração entre empresas estatais e a iniciativa privada, que envolveram a construção das usinas hidrelétricas de Itá, pela Eletrosul, e de Serra da Mesa, por  Furnas, mesmo com todas as limitações do quadro regulador então vigente.

 

É ainda de 1993 a primeira tentativa de viabilização do conceito do livre acesso às redes de transmissão, por meio do Decreto 1009/93, que abriu o acesso ao sistema de transmissão do Sistema Eletrobrás a autoprodutores e concessionárias em geral, sem grandes consequências práticas pela falta de um quadro regulador mais amplo.

 

O processo de mudanças vai ter seu marco radical de ruptura, porém, estabelecido pela legislação mais geral representada pelas chamadas Leis das Concessões. Com a primeira delas, a Lei 8.987/95, a obrigatoriedade da realização de licitações, basicamente pelo menor preço de venda de energia, ou pelo maior valor pago à União para a outorga concessões de serviços públicos, introduziu uma dimensão competitiva nesta outorga.

 

Por aquela primeira lei, a tarifa dos serviços públicos concedidos passava a ser regida pelo preço fixado na proposta vencedora da licitação e suas regras de revisão deveriam ser determinadas pela legislação, pelo edital e pelo contrato de concessão, do qual, junto com o preço, eram cláusula essencial. Desse modo, toda a legislação anterior, baseada no custo do serviço, não mais tinha que ser obedecida para qualquer tipo de concessão nova licitada.

 

Na segunda Lei das Concessões, a Lei 9.074/95, explicitou-se que também o aproveitamento energético dos cursos de água (concessões de bens públicos) estava sujeito às licitações para sua concessão, nos termos de ambas as leis, alterando de vez a antiga forma de distribuição das mesmas entre as empresas estatais. Também esta lei formalizou a situação dos Produtores Independentes de Energia, com regras operacionais e comerciais próprias, cujos preços de venda ficavam sujeitos a critérios gerais a serem fixados pelo poder concedente.

 

Posteriormente, as licitações de projetos de geração tiveram que passar a ser feitas na modalidade de maior valor pago à União, para não amarrar, antecipadamente, os preços finais do produto.

 

Ainda a Lei 9.074/95 separava a rede de transmissão considerada como rede básica, sujeita a concessões específicas, com preços próprios, dos demais elementos de rede, englobados ou nas concessões de geração, ou nas de distribuição, e remunerados junto com as mesmas.

 

Note-se que esta legislação, embora acompanhada com ansiedade pelas empresas do setor, não teve sua aprovação acompanhada pela discussão completa do novo marco regulador. Apesar de suas conseqüências terem sido bastante profundas, seu debate ficou restrito apenas aos aspectos imediatamente afetados por ela.

 

Além disso, como o processo de concessão de novas licitações passou a ser aberto e disputado pelos agentes privados, e, a par dessas leis, o governo optou por afastar suas empresas da expansão, pode-se dizer que com elas, além da introdução da competição, a expansão da geração foi delegada indiretamente ao setor privado.

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Ainda em 1995, iniciou-se o processo de privatização das empresas federais, pelas distribuidoras, com a venda da Escelsa, seguida, mais tarde, pela venda da Light. Na falta de definições legais para as regras do setor, os editais e contratos de concessão serviram de instrumentos para balizar esse processo.

 

Com as duas Leis das Concessões, caiu em grande parte toda a sistemática de regulamentação pelo custo do serviço, gerando um vácuo legal e regulatório, cuja necessidade de rápido preenchimento se fazia sentir, tornando ainda mais indispensável uma reorganização institucional, espaço que, em projeto contratado pela Secretaria de Energia do Ministério de Minas e Energia (SEM/MME), a Coopers & Lybrand procurou parcialmente ocupar, ajudando a desenhar as linhas mestras da mudança que já havia se iniciado.

 

Mesmo sem que esta proposta tenha passado, como deveria, por um necessário processo amplo e efetivo de debates, negociação e ajustes entre os agentes setoriais, ela teve o mérito de fornecer uma diretriz para as iniciativas do novo agente regulador que havia sido criado[19], a ANEEL, e para a Lei 9.648/98, que criou as condições mínimas para a operacionalização desse novo modelo, dando origem à formação do Operador Nacional do Sistema (ONS) e do Mercado Atacadista de Energia (MAE).

 

 

O “Price-Cap” e o Serviço pelo Preço

 

Com a Lei 9.427/96, de criação da ANEEL, o novo sistema de tarifação ficou um pouco mais claro, embora ainda bastante incompleto, ficando estabelecido o regime de serviço pelo preço, com tarifas fixadas por contratos resultantes de licitação ou renovação de concessões e/ou do processo de privatização, ou por ato específico da ANEEL, em caso de revisão ou reajuste. Este regime passou a ser válido para quaisquer concessões, sejam elas de geração (se reguladas), transmissão ou distribuição. Desse modo introduziu-se uma dimensão competitiva na fixação inicial desses preços, já que, no primeiro momento, eles resultam de uma operação de mercado, embora, nas etapas seguintes, recaiam em preços regulados.

 

Como esses preços são dinâmicos e têm que ser revistos periodicamente, os editais e contratos, tanto de privatização como de concessão de distribuição, embora não expresso formalmente em Lei, passaram a adotar como regra, após 1995, um sistema de “price cap”.

 

Pela Lei 8987/95, as revisões dos contratos de concessão devem ser feitas de modo a manter o equilíbrio economico-financeiro dos contratos. Aqui, porém, recaí-se na virtual impossibilidade de se definir o que seja este equilíbrio, já que não é possível harmonizar-se as condições iniciais sob os pontos de vista do regulador e do concessionário, cada qual com a sua avaliação própria do investimento. Como resultante, os processos de revisão passam a depender dos critérios adotados pelo regulador, hoje basicamente suportados pela análise do custo-do-serviço.

 

Através de todas estas mudanças, as novas regras tarifárias vieram sendo construídas aos poucos, desde a ruptura criada pelas Leis das Concessões. Embora esse sistema não reduza os custos de monitoramento, ele traz estímulos econômicos para ganhos de eficiência, o que é certamente um grande avanço. Mas, ao contrário do sistema anterior, pontos importantes não foram especificados em Lei, mas apenas por Portarias da ANEEL, em particular, a definição dos critérios de revisão dos preços regulados.

 

 

A  Nova Regulamentação e a Concorrência na Geração

 

Finalmente, com a Lei 9648/98, já balizada pelo projeto da Coopers & Lybrand, e criando órgãos para a gestão da rede e do mercado atacadista, completou-se a liberação dos preços da geração no atacado, não apenas para os produtores independentes, mas para todas as operações de compra e venda de energia elétrica entre concessionários ou autorizados.

 

Esta nova sistemática, que se instala com a criação do ONS e do MAE, vai ser melhor explicitada pelo Decreto 2.655/98, que regulamenta e detalha os termos desta Lei.

 

No novo contexto, toda a energia comercializada no sistema interligado o deve ser no âmbito do MAE, sendo que a parcela não contratada bilateralmente tem sua regra de determinação de preços expressa no Acordo de Mercado, assinado pelos participantes e homologado pela ANEEL.

 

Pelo novo sistema, os preços dos contratos para venda de energia ficam liberados, a menos dos chamados contratos iniciais, com preço regulado e vigindo em período de transição, a se encerrar completamente em 2006, a partir de quando a Lei prevê a completa liberação dos preços da geração, a serem estabelecidos nas negociações contratuais bilaterais entre os agentes.

 

Já para a energia não contratada e comercializada no curto-prazo, os preços passam a ser definidos pela entidade responsável pelo mercado, em função dos valores marginais (duais) indicados pelo algoritmo de otimização do despacho e calculados por regras devidamente aprovadas pelo regulador.

 

Embora não esteja completamente explicitada, nem na lei, nem no seu decreto regulador, a sistemática proposta pela Coopers & Lybrand orientou estes diplomas legais, assim como as regras subseqüentemente validadas pelo acordo do MAE.

 

Em particular, manteve-se a filosofia de separação fisíco-financeira da comercialização na geração hidrelétrica, sendo que a própria Lei 9648/98 prevê a existência dos mecanismos de relocação de energia para mitigação de risco hidrológico, parte essencial para a implantação desta separação.  O Decreto 2.655/98, por sua vez, além de melhor caracterizar o mecanismo de relocação, assegura que cada usina deverá ter direito de comercializar uma dada fração da energia assegurada[20] do sistema, a ela alocada.

 

Como a competição pela geração ainda está limitada aos grandes consumidores, conforme anteriormente discutido, enquanto essa limitação se mantiver fica pendente a questão dos custos de geração para os consumidores cativos, sem acesso direto ao mercado. Nesse sentido, essa Lei estabeleceu, ainda, que a ANEEL deve fixar critérios para limitar os repasses dos custos de compra de energia por parte das distribuidoras aos consumidores dela cativos.

 

Desenvolvido de forma relativamente segmentada, em uma seqüência de leis e normas pouco coordenadas, esse novo desenho institucional está ainda se fazendo e muitas questões requerem aprofundamento.

 

Por isso mesmo, a implementação do mercado atacadista de energia ainda está dependendo de inúmeros ajustes em suas regras. Entre as dificuldades, o desenho vigente deixou margem para pleitos conflitantes, diante de uma difícil situação “atípica” de racionamento, com fortes conflitos de interesses entre os agentes, como o que está se dando em relação ao chamado Anexo V dos contratos iniciais, e cuja solução vai, inevitavelmente, requerer das partes envolvidas um processo negocial, que admita as precariedades do modelo, ainda em montagem, e que entenda que a construção de regras estáveis é do interesse e de responsabilidade coletivos.

 

Se já seria difícil estabelecer as “regras do jogo” para  o mercado em uma situação equilibrada, muito mais complexo era antever todas as particularidades das transações a se efetuarem durante um racionamento.

 

 

A Regulamentação dos Preços da Transmissão

 

Quanto aos preços da transmissão, a Lei 9648/98 prevê que os mesmos sejam regulados pela ANEEL, sendo a contratação e administração desses serviços, assim como de suas condições de acesso e serviços ancilares, de responsabilidade de ONS. As condições gerais de contratação de acesso e uso das instalações de transmissão da rede básica estão, complementarmente, regulamentadas  pela Portaria 248/98 da ANEEL.

 

No período de transição, os encargos de transmissão estão sendo pagos explicitamente apenas pelas distribuidoras e pelas novas unidades geradoras. Quando a geração estiver totalmente liberada para o mercado, os encargos de transmissão serão cobrados meio a meio da geração e da carga, conforme preconizado no projeto da Coopers & Lybrand.

 

Anualmente, a Aneel faz as previsões das necessidades de remuneração dos ativos de transmissão, inclusive obras em andamento, e dos custos aprovados para a manutenção do ONS, e calcula as parcelas a serem cobradas das diversas concessionárias, em função de sua localização.

 

O pagamento dos novos agentes de transmissão tem por base o serviço pelo preço, referido à licitação que lhes outorgou a concessão. Esses valores são corrigidos por regras de reajuste previstas em cada contrato de concessão. Nesse caso, não faz sentido a aplicação de um sistema tipo price cap, pois o grosso do custo é de investimento e não parece haver espaço significativo para ganhos de produtividade. Pelo contrário, têm sido previstas multas (reduções da remuneração) em caso de falhas de desempenho causadas por manutenção insuficiente.

 

 

A Revisão dos Preços Regulados da Distribuição

 

Se no caso da transmissão o conceito de serviço pelo preço parece se aplicar de maneira adequada, já que o preço da licitação se liga a um dado ativo bem definido, não envolvendo em si mesmo questões de expansão, nem de ganhos de produtividade, o mesmo já não é verdade para o segmento de distribuição 

 

Aqui, conforme previsto nos contratos de concessão e na legislação, os preços devem ser revistos periodicamente (em geral a cada cinco anos), por metodologia de reajuste deixada a cargo da Aneel, e onde as leis não fornecem princípios claros para guiar esses reajustes.

 

Conforme apontado anteriormente, o quadro legal que sustenta esse sistema tem sua base nas Leis 8997/95 e 9.427/96, sendo que a primeira explicita que os preços devem ser revistos de modo a manter o “equilíbrio econômico-financeiro” do contrato, que, como foi dito, não é de definição simples.

 

Equilíbrio sob qual ponto de vista e com que base? A usada no calculo do preço mínimo do leilão? A das estimativas do comprador? A vantagem da operação de mercado é que cada agente faz os seus cálculos e esses números resultam de suas estimativas, feitas com sua análise própria, informação que vai se traduzir exclusivamente nos preços resultantes do processo. Na seqüência de revisões desses preços, entretanto, em cenários econômicos e empresariais cada vez mais distanciados, essa vantagem vai progressivamente se perdendo

 

Note-se que o mecanismo das revisões tem estado previsto nos editais e contratos. Portanto, um mero reajuste para cobrir as variações de custo não o substitui. Na falta de definição legal clara, além da transferência dessa responsabilidade para Aneel, esta tem proposto em audiência pública o uso de princípios que parecem se enquadrar na visão de custo-do-serviço.

 

É na convicção de que elementos de natureza concorrencial devem ser introduzidos nesse processo que se situa o trabalho de Brasil Neto (2001), que levanta uma discussão difícil, mas necessária. Sua proposta básica é que, em cada reajuste, seja estabelecida a meta de desempenho competitivo para cada empresa, com base, principalmente, em comparação com padrões de desempenho de outras empresas em condições as mais similares possíveis (tipo “benchmark competition”), e que preço compatível com estes custos seja a meta, não para a revisão presente, mas para a próxima (através da aplicação do fator X), e que na presente se negocie um nível de preços entre os níveis vigentes antes da revisão e os “ideais”.

 

Como referência básica para a negociação dos níveis de preço nas revisões, no que se refere às parcelas não competitivas de custo das empresas (que seriam realizadas com de forma mais eficiente por novas empresas que entrassem no mercado), poder-se-ia adotar um critério tipo custo-do-serviço, mas com uma taxa mais reduzida que a esperada pelo setor para recuperação do capital, considerando esta parcela como um custo encalhado (stranded).

 

Na formação dos preços relativos dos diferentes “produtos”, Brasil Neto sugere que se procure dar maior liberdade às empresas, dentro de limites máximos e mínimos, em cada caso, conforme desenvolvido por Baumol e Sidak.

 

A diferença mais expressiva dessa proposta em relação ao uso puro e simples do custo-do-serviço, é que ela reconhece, explicitamente, a assimetria de informação entre regulado e regulador, e entende o processo como fortemente negocial, em cima de princípios que visam, gradualmente levar a empresa a padrões de eficiência do mercado.

 

 

 

5.      A Competição e os Sinais de Mercado na Expansão

 

 

A Formação dos Preços da Geração a Curto Prazo

 

Conforme historiado acima, o modelo em implantação segue uma diretriz de segmentação da atividade de geração, com seus preços apoiados em contratos de longo prazo, livremente estabelecidos entre as partes e balizados, no curto prazo, por preços regulados, que refletem o custo marginal, para as parcelas não contratadas.

 

A característica fortemente hidrelétrica do sistema brasileiro e com um potencial disponível para expansão desta fonte, de, pelo menos, a mesma  ordem de grandeza da capacidade já instalada, faz com que esse modelo tenha características próprias, bastante diferenciadas dos modelos internacionais, tanto por razões operacionais como pelas necessidades de expansão.

 

A nível operacional, esta característica foi plenamente incorporada no desenho do novo modelo institucional brasileiro. Um parque hidrotérmico exige uma operação integrada, com uma significativa intervenção de um agente coordenador, capaz de gerenciar todas as externalidades inerentes ao processo, incluindo suas consequências em termos de preço da energia hidrelétrica.

 

Nesse sentido a solução atualmente adotada parece, por um lado, ser bastante sensata, fazendo-se o despacho, não por regras de mercado, mas sim buscando a otimização da operação e deixando-se que o valor marginal, obtido a partir desses cálculos, seja referência para a definição de seus preços. Deve-se observar, todavia, que essa opção traz, em contrapartida, uma perda em relação a um mercado efetivo, que é a leitura que este traz das expectativas dos diversos agentes.

 

Assim, na metodologia atual, a referência básica, diária, para o mercado permanece regulada, com preços que seguem uma proxy do que seria alcançado por um mercado concorrencial ideal. A partir dessa referência, é, todavia, perfeitamente possível que se façam contratos específicos entre as partes, mesmo dentro de um horizonte de curto prazo.

 

Esta solução apresenta alguns aspectos próprios, que merecem destaque. Como o sistema brasileiro é de regulamentação plurianual e tem a possibilidade de armazenar “energia” potencial sob a forma de água, suas decisões de operação têm que levar em conta um horizonte de vários anos, vinculando fortemente as ações em diversos períodos, ao contrário do que acontece em um sistema de base térmica. Assim, sua otimização embute uma visão de vários anos para frente e os preços dela derivados refletem as expectativas sobre o comportamento futuro do sistema. Quão melhor for a qualidade dessa modelagem, tanto melhores serão os sinais de preços por ela fornecidos.

 

 

O uso dos resultados de um modelo como uma “proxy” para os preços de curto prazo tem, como maior defeito, o fato de necessitar como pré-requisito uma  definição dos cenários da evolução da oferta e da demanda para alimentar o algoritmo. Quando é o mercado que estabelece esses preços, ele reflete os conjunto de expectativas dos diversos agentes e em relação às quais eles aplicam efetivamente seus recursos. É característica dos preços de mercado “economizarem informações” em relação às alocações de recursos realizadas dentro de hierarquias.

 

Assim a possibilidade da compatibilização do uso de um efetivo mercado spot, de alguma maneira, com a otimização física da operação, precisa ser estudada com mais profundidade, mesmo com alguma perda desta última.

 

Deve-se destacar, ainda, que uma das principais virtudes da metodologia atual é que, pelo menos parcialmente, ela incorpora uma externalidade significativa, de difícil mas necessária internalização pelos agentes privados, que é o custo de déficit, parâmetro relevante para os cálculos do algoritmo. Caso efetivamente se implemente um sistema de mercado para o curto prazo, substituindo os preços hoje gerados pelo modelo, essa implementação terá que ser acompanhada de medidas reguladoras, que, de alguma maneira, imponham um nível mínimo de garantia de suprimento, já que o custo social do défcit não será mais incluído nas avaliações dos agentes.

 

 

A Formação dos Preços da Geração a Longo Prazo

 

Pelo modelo implementado, 85% da demanda prevista pelas distribuidoras deve ser contratada diretamente, através de contratos bilaterais, hoje ainda dominados pelos contratos a preço regulado (contratos iniciais), mas que progressivamente deverão configurar operações efetivas de mercado.

 

Partindo-se de uma situação inicial, em que a maior parte dos preços da geração do sistema existente (a “energia velha”, incluindo a geração de Itaipu) permanece, pelo menos temporariamente, regulada, pretende-se caminhar progressivamente até uma situação de preços liberados.

 

São esses contratos de longo prazo os sinalizadores e propulsores da expansão do sistema. Com o elevado grau de incerteza (de mercado, hidrológica, regulatória,...), é pouco provável que venham a ser realizados investimentos significativos em usinas, voltados para a venda pelos preços de curto prazo (as chamadas merchant plants), sem que sua energia seja contratada a priori

 

Desse modo, espera-se que os efeitos da concorrência sobre os preços da geração dependerão principalmente das negociações contratuais. O predomínio dos contratos a longo prazo na formação de preços torna estes bem menos voláteis que aqueles dependentes de um mercado spot. A contrapartida negativa dessa estabilidade é que esse processo reduz a ação corretora da concorrência sobre os preços ao longo do tempo.

 

Como a maior parte do sistema gerador brasileiro é, e ainda deverá permanecer por muito tempo, predominantemente hidrelétrico, os preços contratuais poderão depender fundamentalmente da necessidade de remuneração dos investimentos iniciais e não de custos variáveis de insumos energéticos, comercializáveis no mercado internacional, como tende a ser o caso em contratos de compra de energia gerada por usinas térmicas.

 

Ainda assim, alguma incerteza remanesce, já que negociações entre vendedores e compradores, dependentes de ativos específicos, em que investimentos são realizados para o atendimento de uma dada necessidade, geram, após a realização desses investimentos, a possibilidade do exercício do oportunismo, em que uma das duas partes pode tentar impor seus preços à outra[21], independentemente dos valores contratados.

 

As incertezas inerentes à relações contratuais são parte do preço a pagar e são conseqüência da segmentação das atividades e viabilização da concorrência, já que a única alternativa aos contratos seria permitir que as distribuidoras pudessem deter a propriedade da geração por elas requerida.

 

Vale destacar que as incertezas envolvidas nos contratos inevitavelmente são transferidas para os preços, já que todo o risco adicional leva a um aumento do custo de capital. Espera-se que os ganhos trazidos pela concorrência e pela maior nitidez gerada pela separação das diversas etapas da cadeia de produção compensem estas desvantagens.

 

Um grau de compromisso que tem sido adotado é permitir a manutenção de algum grau de verticalização, admitindo-se um percentual máximo tendendo a 30%, dentro de determinadas qualificações[22], do chamado self dealing, onde empresas geradoras, controladas pelos mesmos acionistas que uma concessionária de distribuição, vendem energia para esta última. Desse modo, facilita-se que esses acionistas invistam também na geração para o atendimento ao mercado consumidor.

 

Um aspecto que merece aprofundamento é o nível necessário de segmentação para que a concorrência efetivamente aconteça. É possível que o self dealing possa ter limitações muito menos severas que as hoje previstas, com vantagens para a agilização de novos investimentos e, ainda assim, viabilizar-se a concorrência. A própria possibilidade de consumidores buscarem outros comercializadores, aliada à existência de um mercado mínimo, já gera um efeito de contestabilidade, que é o essencial para que se tenha os efeitos desejados sobre os preços finais.

 

 

Os Sinais para a Expansão e a Concorrência

 

Um outro aspecto muito importante no novo desenho institucional, fortemente interrelacionado com a implementação das regras de mercado e a viabilização da concorrência, é o da expansão da geração. Até porque, se não houver oferta suficiente, o poder de mercado dos geradores cresce e a concorrência praticamente desaparece.

 

Essa também é uma questão que requer abordagem particular específica, devido às peculiaridades do sistema brasileiro, já que os projetos hidrelétricos são de longa vida útil e muito intensivos em capital, com o grosso de suas despesas feitas na fase de construção, e, portanto, com sua rentabilidade extremamente sensível às taxas de juros, além de serem extremamente suscetíveis a questionamentos ambientais, na etapa de construção.

 

Se reconhecermos que, no mercado de juros, a ausência de gerações futuras gera uma falha de mercado, e que o risco político-jurídico associado aos problemas ambientais é de difícil gestão pelo setor privado, para muitos projetos, apenas com algum tipo de equacionamento estatal e/ou o apoio de organismos internacionais de desenvolvimento (taxas especiais de juros, mitigação de riscos, etc.) pode-se levar esses empreendimentos a uma avaliação positiva do mercado.

 

A intervenção estatal, evidentemente, traz riscos significativos de oportunismo, pois sua necessidade é de difícil mensuração, agravada pelo fato de que cada aproveitamento hidrelétrico é diferente do outro, não se conseguindo estabelecer regras gerais e ficando sempre a situação sujeita a elevado grau de arbitrariedade. Mas, por outro lado, sem algum tipo de coordenação do processo e apoio estatal pode-se vir a perder a possibilidade de um desenvolvimento adequado de uma forma de geração, hoje ainda sem substituto nas dimensões necessárias.

 

Também algum nível de planejamento indicativo setorial, praticamente abandonado nesse período de transição, se faz necessário, o que, pela sua interligação com toda a política energética do país, requer uma intensa participação do Estado.

 

Os problemas de uso do mercado como referência para a expansão não se restringem à questão da opção hidrelétrica, principalmente em países que, como o Brasil, têm sua demanda crescendo a níveis elevados e que requerem o estímulo correto e tempestivo a um elevado volume de novos investimentos, face a intervalos muito grandes de tempo entre as decisões de investimento e sua efetiva concretização na oferta, além de uma forte rigidez nessas decisões.

 

Com os horizontes de tempo aqui envolvidos, é inevitável que ocorram falhas no papel coordenador do mercado. Assim, os sinais de mercado, mesmo os de mercados futuros organizados, tendem a ser insuficientes para o balizamento do ajuste entre oferta e demanda, sem que sejam secundados por um esforço integrado de planejamento, coordenação e fomento.

 

Também, entre as falhas de mercado, por exemplo, está o fato do custo de déficit ser fundamentalmente uma externalidade para as empresas, o que faz com que, mesmo com os mecanismos usados para sua incorporação nos preços spot,  ainda assim, dificilmente ele será capturado plenamente, afastando a solução ótima empresarial do ótimo econômico.

 

Como não existe metodologia capaz de determinar um número capaz de representar todas as conseqüências de um déficit, é mais provável que a convergência de interesses do regulador, em evitar fortes aumentos de tarifa, e das distribuidoras, em não ter que pagar preços spot muito elevados, prevaleça e que os valores usados tendam a ser inferiores aos reais.

 

Esse último problema é agravado numa fase de transição, em que os investimentos garantidores da expansão da oferta mudam de mãos, pois o balanço entre os custos de investimento ocioso (efetivamente pagos pelos investidores) e os custos (externos) de déficit leva os agentes estatais e privados a diferentes lógicas econômicas. Os agentes estatais tendem a investir antecipadamente, para garantir o suprimento, enquanto que os investidores privados tendem a investir com atraso, já que procuram acompanhar a demanda.

 

Se observarmos que, nesse período de transição institucional brasileiro, três mudanças significativas estão se dando em simultâneo, todas com conseqüências, pelo menos no curto prazo, que dificultam a realização de novos investimentos, fica evidente que todo o processo de mudança requeria e requer um esforço significativo do governo, que pode ser direto e/ou indireto, para garantir a continuidade da expansão.

 

Conforme anteriormente apontado, os três principais eixos de mudança estão incluindo: (1) a substituição de investidores estatais por privados, com sua mudança de lógica econômica, (2) a mudança de modelo, com todo um conjunto de regras novas ainda por definir, e (3) a mudança nos modelos de montagem financeira e na natureza dos empreendimentos.

 

Não é de se estranhar que, nesse contexto, tenham surgido dificuldades significativas para a concretização de novas obras.

 

 

 

Regulamentação e desregulamentação dos preços da geração

 

Pelo novo desenho institucional, os preços de geração estão liberados, excetuando-se os da “energia velha”, que serão liberados gradualmente.

 

Na ausência de um processo de competição direta no varejo, ao qual se poderá chegar através de uma sucessiva ampliação das condições de liberação de clientes cativos, a Aneel, com cobertura legal, instituiu preços limites – os chamados valores normativos - até os quais as concessionárias podem repassar para o consumidor os custos da energia por eles comprada para revenda.

 

Conforme acima comentado, esse interferência é necessária enquanto todos os consumidores não tiverem a possibilidade de escolher de que comercializador comprar, cada um destes, por sua vez, competindo por contratos de compra com os produtores de energia.

 

Deve-se destacar, todavia, que, em vez de definir esses valores pelo valor marginal da energia em cada região, a Aneel instituiu valores diferenciados por forma de geração, instituindo subsídios implícitos a algumas delas, a serem pagos pelos consumidores cativos. Além desse tipo de diferenciação de limites não se justificar sob o ponto de vista econômico, eles correspondem, na verdade, a definições de política energética e de distribuição de renda, que ultrapassam de muito os limites de competência de um órgão regulador, devendo, se tivessem que existir, estar suportados por legislação explícita.

 

Em qualquer caso, o uso dos valores normativos, embora temporariamente necessários, se transforma em uma manutenção da regulamentação para os clientes cativos, neutralizando os sinais do mercado que se pretendia introduzir e gerando toda a dificuldade usual da regulamentação em sua definição. Nesse sentido, espera-se que a ampliação da concorrência continue sendo levada progressivamente aos consumidores finais, de tal forma que se possa abrir mão de seu uso.

 

No imediato, dever-se-ia eliminar a diferenciação dos valores normativos e  aprender com a experiência negativa nos Estados Unidos, onde formas antieconômicas de geração se encastelaram de modo semi-permanente na oferta, em função de políticas equivocadas de compra obrigatória de eletricidade produzida a partir de formas renováveis, a preços muito acima dos vigentes.  Os subsídios (e suas fontes) para formas de energia que se deseja impulsionar devem ser discutidos e dados diretamente de forma clara, direta e transparente.  

 

Uma outra questão relevante, que merece reflexão, se liga à liberação da energia velha para o mercado, prevista para se iniciar em 2003.

 

Aqui, um ponto importante, que não tem tido a atenção adequada, é o fato de que, na geração hidrelétrica, quando inteiramente liberada para o mercado, pode-se ter uma forte formação de renda econômica, à medida que as usinas têm custos de produção (basicamente formados pela remuneração do capital investido) bastante diferentes, função mesmo de suas características físicas. A solução clássica seria a captura desta remuneração excedente por taxas, porém estas não estão previstas ex-ante.

 

Nas usinas novas, esse problema fica resolvido com os leilões das concessões pelo maior valor pago à União, o que, ao menos em tese, se houver efetiva concorrência na licitação, transfere para o tesouro o valor presente do excesso de renda que deverá ser gerada naquele empreendimento, comparando seus custos com o preço (marginal) que a energia gerada deverá alcançar no mercado.

 

Na definição dos preços da energia elétrica que precedeu os processos de privatização, a tradicional maior participação do segmento geração nesses preços foi suplantada pelas margens de distribuição, ou seja, enquanto que o preço da energia elétrica ao consumidor final se recuperou , o mesmo não aconteceu com o de geração, que hoje está por volta de metade do seu custo marginal.

 

De um certo modo, se transferiu renda para os governos estaduais, antigos proprietários da maioria das empresas de distribuição privatizadas, valorizando-se o fluxo de caixa esperado daquelas empresas, como estímulo ao processo de privatização.

 

Com as margens vigentes e com a expectativa de preservação do equilíbrio economico-financeiro dos contratos, seja lá o que isto queira dizer, não se pode mudar esta situação, a não ser  progressivamente, exigindo-se e partilhando-se ganhos de eficiência. Se se passar a desrespeitar contratos, não só se afugentará  todo e qualquer investidor, assim como se fará com que aqueles que venham a investir no futuro usem em suas análise taxas de desconto proibitivas, para compensar os crescentes riscos regulatórios.

 

Nas circunstâncias, pode-se antever maiores dificuldades políticas para levar-se rapidamente os preços da energia velha para os valores de mercado, mesmo em nome de uma maior eficiência alocativa, em um ambiente culturalmente formado dentro da regulamentação pelo custo do serviço. Com os preços da eletricidade se elevando, será difícil alcançar os custos marginais para a geração (em torno de US$ 35-40 / MWh, segundo diversas fontes e estudos realizados no âmbito da Secretaria de Energia do MME), antes que se consiga partilhar ganhos expressivos de produtividade na distribuição nos processos de revisão tarifária.

 

Como a Gerasul foi privatizada com esta expectativa, é lícito supor que a sua energia será liberada para o mercado dentro do cronograma estabelecido pela legislação vigente. Já no caso da geração das demais empresas estatais, particularmente as do Sistema Eletrobrás, caso se mantenham os níveis de preços atuais, haverá pressões para se prolongar o período de transição, liberando sua energia para o mercado livre mais lentamente.

 

Na verdade, a  melhor solução para esses conflitos, com a manutenção das regras atuais, poderia estar, frente às dificuldades que serão enfrentadas para a expansão dos grandes projetos hidrelétricos, no aproveitamento desse potencial de geração de renda excedente, orientando-o diretamente para o programa de expansão.

 

Entendendo que essa renda está associada a vantagens naturais, de propriedade de toda a sociedade, de hoje e de amanhã, é lícito o seu re-investimento a uma taxa social de desconto,  que valorize o futuro mais remoto, levando em conta o interesse das gerações futuras, ausentes do mecanismo de mercado, e que possibilite um custo de capital atrativo para esses projetos para os demais investidores.

 

Note-se que estes recursos tanto podem ser obtidos a partir das margens que seriam geradas por estas empresas, com a energia vendida a preços competitivos, como através de parcela dos valores obtidos antecipadamente, caso estas empresas sejam privatizadas com base em preços que incluam a expectativa futura dessa geração de renda econômica. Em ambos os casos, se estaria canalizando essa renda para benefício dos consumidores em geral, desde que sua destinação fosse explicitamente assinalada por lei. Deve-se ressaltar que, pela natureza dos conflitos de interesses envolvidos, acredita-se que o tema ultrapasse a esfera do executivo e do regulador e deva ser definido em legislação própria.

 

 

A Competição pelos Grandes Consumidores na Fase de Transição da Reforma Institucional no Brasil

 

Estudos mais detalhados, desenvolvidos por Araujo (2001), confirmam o que se poderia pressupor, face ao baixo custo atual da geração, que o espaço para efetiva competição pelos consumidores potencialmente livres atuais praticamente não existe, já que, com os preços cobrados pelas concessionárias ancorados nos contratos iniciais, muito dificilmente se terá alternativas competitivas capazes de atrair esses consumidores para outros supridores.

 

Pelo contrario, o que mostra Araujo é que, em alguns casos, as margens atuais podem chegar, no limite, a valores negativos e, em diversas situações, menores que os pedágios que as empresas receberiam pelo mero uso de sua rede. Este é, principalmente, o caso de consumidores ligados em tensões mais elevadas, capazes de otimizar o seu consumo, operando com elevados fatores de carga e, ao mesmo tempo, modulando o mesmo o mais possível, operando mais nos períodos fora da ponta.

 

Um caso de transferência de consumidor, que tem sido bastante noticiado, envolveu a Carbocloro, que deixou de comprar da Bandeirantes e passou a ser suprida pela Copel. Este fato não deve, na verdade, ter provocado maiores prejuízos à Bandeirantes, podendo mesmo ter sido muito lucrativo para esta última, se ela não tiver reduzido seus contratos de compra originais, face aos elevados preços atuais no spot, no contexto de racionamento.

 

Um ponto que chama a atenção no trabalho de Araujo é que os primeiros valores estabelecidos para o pedágio a ser pago às concessionárias pelos serviços puramente de distribuição, em Novembro de 1999, ao menos no caso da Light, eram muito inferiores às margens da empresa em geral, deixando uma margem implícita para comercialização extremamente elevada e absolutamente  irrealista.

 

Quando se estiver na efetiva iminência de um processo competitivo, espera-se que os chamados “encargos de distribuição” (pedágio) sejam devidamente ajustados, para tornar neutra, desse ponto de vista, a manutenção dos contratos de compra pelos consumidores finais com a concessionária local, em relação à contratação alternativa com as comercializadoras que estiverem competindo na região.

 

A análise caso a caso das possibilidades de competição mostra, também, que, em determinada medida, ela pode provocar um fenômeno de seleção adversa em relação aos contratos com as concessionárias, que requer estudos mais aprofundados. As regras tarifárias atuais procuram estimular o consumo fora dos horários de ponta, pressupondo que para as empresas esse consumo pode ser antieconômico, por exigir investimentos adicionais . Isto, entretanto, é feito levando-se em conta uma hora de ponta média. Ora, para determinadas concentrações de consumidores, ligados a alimentadores específicos, esses trechos da rede podem ter sua “ponta” efetivamente deslocada, por força dos estímulos tarifários, exatamente para os períodos de tempo em que a margem tarifária para a distribuição é mais baixa, causando até mesmo eventual prejuízo para a concessionária. Com a concorrência, são exatamente estes consumidores, que otimizam suas tarifas, que terão maior tendência a permanecer atendidos pela concessionária local.

 

A questão da heterogeneidade dos consumidores, cobrados por preços médios, com inevitáveis subsídios cruzados, certamente só será melhor equacionada se e quando os custos de medição  e comunicação caírem ao ponto de tornarem viável o estabelecimento de preços individualizados, o que poderá se acelerar se a competição no varejo efetivamente se viabilizar.

 

Na verdade, as dificuldades para a implantação de uma efetiva concorrência junto aos consumidores finais existem, mesmo em outros países onde a competição está mais avançada, mesmo com os preços de geração mais homogêneos. Pelo menos nos Estados Unidos, segundo Joskow (2000b), os comercializadores que tentam atrair os consumidores livres, mesmo lá, têm tido muita dificuldade de competir lucrativamente com a oferta padrão da distribuidora local.

 

Nesse contexto, fica para os comercializadores o espaço dinâmico e mais elaborado de provisão de serviços elétricos, incluindo medições especiais, hedges financeiros contra preços, serviços de energia diretos, outros produtos complementares, etc., abrindo possibilidades para que o resultado final desse processo possa vir a ser uma grande aceleração na mudança dos fundamentos do negócio e, quem sabe, na expansão mais acelerada da geração distribuída.

 

 

6.      Conclusões

 

O setor elétrico brasileiro foi alcançado pelo movimento geral de mudanças estruturais e de ampliação dos espaços de concorrência em suas atividades. Ao contrário, porém, de alguns exemplos internacionais paradigmáticos, aqui não se tinha como estímulo às mudanças a vigência de altos preços da eletricidade, em particular da geração, que gerassem um maior interesse imediato por parte dos consumidores.

 

No Brasil, as motivações para mudança foram mais endógenas, onde as próprias empresas concessionárias buscavam regras tarifárias estáveis que permitissem ao setor um funcionamento mais organizado.

 

Apesar de todos os custos indiretos gerados para a sociedade pela desorganização financeira setorial e das pressões sobre a dívida pública, no sistema de regulamentação de serviço pelo custo, em um ambiente empresarial monopolista e estatal, os investimentos na expansão da geração continuavam a ser feitos e o atendimento aos consumidores, mesmo a preços irrealisticamente contidos, não vinha sofrendo nenhuma solução de continuidade.

 

Essa diferença fez com que as vantagens de uma reformulação não tenham sido tão aparentes para a sociedade em geral e é, possivelmente, um dos fatores explicativos mais significativos para o fato das mudanças institucionais do setor elétrico brasileiro terem se realizado um pouco por espasmos, em diferentes diplomas legais, sem um debate amplo e abrangente.

 

É certamente difícil se promover uma restruturação que, mesmo eliminando custos para o tesouro nacional e para os contribuintes como um todo, não reduza, e, pelo contrário, possa vir a trazer aumentos tarifários diretos visíveis aos consumidores. 

 

O processo de transformações envolveu, em simultâneo, a privatização de empresas estatais federais e estaduais e a reformulação do modelo institucional.  Sua evolução institucional foi precipitada pelas Leis das Concessões, que impuseram um corte radical com o sistema de custo do serviço, antes vigente.

 

Balizada pelos estudos da Coopers & Lybrand, mas sem o debate necessário com todos os agentes setoriais, legislação posterior traçou seus principias elementos, tendo algumas questões importantes ficado pendentes de definição legislativa apropriada, num segmento em que externalidades e outras falhas de mercado necessitam ser cuidadosamente levadas em conta pelos mecanismos institucionais.

 

Entre as pendências estão as regras de revisão dos preços e a definição de fontes de recursos adicionais e instrumentos para a promoção adequada da expansão hidrelétrica. Também o processo de condução efetiva da concorrência pelas fontes de geração até os consumidores finais não ficou devidamente estruturado.

 

No setor elétrico, as vantagens do monopólio natural de suas redes requerem a intervenção do regulador para que as mesma sejam partilhadas pelos consumidores, com todas as dificuldades inerentes à regulamentação, entre elas os fenômenos de não observabilidade da coisa regulada, de assimetria de informação entre o regulador e as empresas, e as dificuldades de representatividade do interesse da sociedade pelo regulador.

 

A concorrência, onde possível, mesmo que limitada, reduz as inevitáveis falhas da regulamentação. Qualquer retrocesso na tentativa de introdução de elementos de mercado no setor elétrico brasileiro, devido às dificuldades inevitáveis, sem se levá-la adiante o suficiente de modo a ajustá-la à realidade desse setor, estará provocando um recrudescimento do arbítrio regulatório e seus problemas. Quanto mais for possível deixar-se que a concorrência por si mesma venha a gerar parcelas do preço final, menores serão os riscos de distorções.

 

A introdução da concorrência nesse setor ainda é muito incipiente, e sua efetivação requer um trabalho continuado, que não pode ser interrompido por interpretações errôneas das dificuldades setoriais presentes. A predominância de contratos bilaterais faz com que esse processo seja menos volátil do que se estivesse centrado em um mercado spot. A adoção complementar de preços regulados no mercado atacadista de curto prazo, apoiados no valor marginal da energia, parece ser uma solução adequada.

 

Para que, todavia, se alcance níveis efetivos de concorrência no mercado de contratos, será necessário levar essa competição, por meio de estruturas com governança corporativa adequada, até o consumidor final, eliminando-se a necessidade de valores normativos. Estes, aliás, enquanto necessários, não deveriam ser diferenciados por forma de energia, e, caso o fossem, por algum consenso da sociedade, sua estrutura de valores relativos não poderia nunca ser de competência do regulador e sim de política energética.

 

A experiência de concorrência junto aos consumidores finais, mesmo os de grande porte, na verdade, não foi nem mesmo iniciada.  Enquanto estiverem vigendo os contratos  iniciais, agravados por uma estrutura de preços claramente favorável aos grandes consumidores, a disputa por consumidores livres se restringirá a  casos isolados, sem maiores impactos.

 

O ajuste dos preços relativos e, principalmente, o ajuste dos valores dos pedágios, tornando neutra a atividade de distribuição, são condições essenciais para o novo sistema a se instalar. A combinação de preços regulados e de mercado é uma das maiores dificuldades a ser permanentemente trabalhada, já que, com quadro regulado inadequado, também o serão os efeitos da competição que se consiga implementar.

 

Com a efetivação de um verdadeiro ambiente competitivo, como a concorrência não se dá apenas a nível de preços, mas também nas dimensões de qualidade e de  inovação[23], espera-se que nessas últimas a atividade competitiva dos comercializadores seja introdutora mais acelerada de novos e melhores serviços para os consumidores, o que pode ser uma de suas mais saudáveis conseqüências no caso brasileiro.

 

Em todo esse processo de mudanças, a dimensão mais preocupante sempre foi e continua sendo a questão da expansão, até porque sem oferta não se tem como se falar em concorrência.

 

Ora, como foi comentado, a implementação simultânea de três mudanças significativas, de modelo, de mudança de propriedade e de introdução de novas tecnologias de geração, financiada por novos modelos, inevitavelmente gera riscos de descontinuidade na expansão. Principalmente, quando a lógica econômica dos novos agentes é  diferente, e mais avessa ao risco, que a dos agentes anteriores.

 

Para o equacionamento desse problema, face a taxas elevadas de crescimento da demanda, ou se permite a retomada dos investimentos diretos estatais, ou se criam condições para os investimentos privados, ou, ainda, se busca, ao menos na transição, uma combinação dessas alternativas.

 

A menos que só se queira investir apenas recursos públicos, para que os investidores privados efetivamente assumam os projetos de geração de eletricidade de grande porte e longa maturação, é necessário todo um trabalho institucional, incluindo a recuperação (e não a destruição) de um sistema de planejamento e fomento estatal, capaz de atuar na correção das falhas de mercado e de criação das condições de confiança e de administração de riscos.

 

Entre as ações garantidoras da expansão, é fundamental que se canalizem para o apoio à implementação dos grandes projetos de geração, provavelmente em sua maior parte hidrelétricos, os recursos excedentes que poderão ser obtidos pela liberação para o mercado competitivo das parcelas de energia gerada, hoje ainda sobre o controle do Estado e comercializadas com preços regulados, sob os contratos iniciais.

 

Nas últimas décadas, recursos que eram orientados para a expansão do setor têm sido progressivamente destinados para outras finalidades, como ocorreu, por exemplo, com o imposto único e, mais recentemente, com parte significativa do fluxo de pagamentos oriundos da usina de Itaipu.

 

Se esse processo não for revertido e poupanças institucionais não forem orientadas para o setor elétrico, é pouco provável que gestores privados, responsáveis pela geração de valor para seus investidores, face às demais alternativas de investimento hoje disponíveis no mercado financeiro de baixo risco e elevada rentabilidade, na ausência de mecanismos bem estruturados de articulação e apoio e na ausência de um quadro regulatório estável e confiável, venham a assumir participação significativa em projetos de usinas de grande porte, nas dimensões requeridas pelas pressões da demanda. 

 


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[1] A questão da verticalização, vide Milgrom e Roberts (1992) e Joskow (1993),  é uma questão estratégica complexa em inúmeras indústrias e diversos setores, que, em contraste com o que está acontecendo no setor elétrico, têm sido mantidos verticalizados, como é o caso do setor petróleo.

[2] Conforme Joskow (2000b), pg. 41,  “The stimulus for more fundamental industry structure, regulatory and competition reform came from California and a small set of pioneer states with relatively high electricity costs (and associated strandable costs) and a substancial QF / IPP presence”. Ainda segundo Joskow, os preços da geração nas regiões mais caras dos Estados Unidos, antes das reformas, estavam entre US$ 60 e US$ 70 / MWh, enquanto que o preço competitivo médio em 2000, com as novas unidades a gás natural, estava na faixa de US$ 25 a US$ 35 / MWh.

[3] Em relação a cuja dificuldade tem se aplicado a expressão inglesa “Not in my backyard”, ou seja, atitude típica de um “jogo” em que alguns atores querem “ficar com todos os benefícios e deixar os prejuízos para os demais”.

[4] Vide, por exemplo, Milgrom e Roberts (1992)

[5] Para uma discussão do papel da regulamentação no setor elétrico veja-se Kahn (1987) e Newbery (2000); para a importância dos aspectos institucionais na eficiência do sistema produtivo, veja-se North (1990)

[6] Os problemas de conflitos de interesse são similares aos identificados nas relações entre acionistas e administradores de empresas, em que um indivíduo (agente) age em nome de outros(s) (principal), e são conhecidos como custos de agência. Vide, por exemplo, Fama e Jensen (1983).

[7] Deve-se observar que não estão ainda muito claras as fronteiras entre as atividades de comercialização e as de distribuição propriamente ditas. Por exemplo, recentemente, Ofgem, o novo órgão regulador inglês para gás natural e eletricidade, transferiu os custos de medição para a atividade de comercialização,  embora conservado os custos dos ativos de medição como parte dos custos de distribuição, segundo Littlechild (2000)

[8] No que se refere ao segmento de comercialização propriamente dito, Joskow (2000a) aponta que a competição que nele se formar deverá estar menos ligada aos seus custos diretos e mais ao conjunto de serviços adicionais que poderão ser agregados por eles; nesse sentido as firmas que atuarem nesse segmento tendem a ser importantes vetores de mudança e de introdução de novas tecnologias de medição, comercialização e uso da energia

[9] Este seria, na verdade, um efetivo instrumento de governança, deixando o direito de decisão de compra nas mãos de quem é realmente afetado pela mesma; vale lembrar, porém, que a flexibilidade de escolha dos consumidores terá o desafio de ter que ser, em ultima análise, compatibilizada com a rigidez dos investimentos em geração e, por extensão, dos contratos.

[10] Como foi o caso da Pacific Gas & Electricity (PG&E) na Califórnia.

[11] Uma discussão detalhada das dificuldades do processo de regulamentação pode ser vista em Kanh (1987)

 [12] Usinas anteriormente consideradas competitivas e posteriormente superadas de muito pelas novas unidades.

[13] Na Califórnia, em simultâneo à mudança de modelo, passou a ser cobrada uma taxa adicional na tarifa, para todos os consumidores, para compensar os investimentos realizados em usinas não competitivas

[14] Como indicava o processo do “Revise – Revisão Institucional do Setor Elétrico”, vide Comitê Executivo do Revise (1989)

[15] Pela edição da Lei 8631/93, conhecida como Lei Eliseu Resende, que alterou a legislação tarifária e promoveu o equilíbrio econômico-financeiro do setor, logo seguida pelos primeiros trabalhos de preparação de processo de privatização, conduzidos pelo BNDES.

[16] Sobre a evolução histórica do setor elétrico brasileiro vide Lima (1995) e Medeiros (1993)

[17] Noel Rosa já nos lembrava que “... o cinema falado foi o grande culpado da transformação”.

[18] Veja-se a mobilização que deu origem ao Revise.

[19] Pela lei 9.427/96 , cuja elaboração também antecedeu a conclusão do próprio estudo da Coopers&Lybrand

[20] Assegurada segundo determinada probabilidade de déficit pré-estabelecida; o sistema brasileiro, enquanto estatal, historicamente vinha tendo seu planejamento referido à aceitação de um risco máximo de 5%

[21] A essa tendência ao oportunismo nas relações contratuais se associa o fato da impossibilidade dos contratos preverem todas as situações possíveis, deixando sempre margem para algum tipo de discussão; na verdade, toda a discussão que hoje se dá, entre geradoras e distribuidoras, em torno do Anexo V dos Contratos Iniciais, em situação de racionamento, não deixa de ser exemplo de conflito que nasce quando relações verticais são substituídas por contratos

[22] A Resolução 278 de 19.07.00 da Aneel limita o self dealing a 30%, porém excluí desse percentual a energia velha dos contratos iniciais, assim como o de usinas entrando nos anos de 2001 e 2002.

[23] Sobre outras dimensões da concorrência e sua intensidade, veja-se Demsetz (1995).