Processos-Chave Focalizados na Qualidade

(Falta de consciência da missão e competitividade)

 

Heitor Luiz Murat de Meirelles Quintella

Universidade Federal Fluminense

 

Rua Professor Manoel Ferreira 88 apto 306

22451-030  Gávea  Rio de Janeiro – RJ

hquintel@unisys.com.br

Resumo

                Este artigo apresenta algumas diretrizes de estruturação de processos - chave focalizados no cliente. Usando-se o Plano de Negócios como o critério básico de estabelecimento das prioridades da valoração dos processos, determinam-se alguns elementos da diretriz metodológica de gestão de processos.

            A partir desses elementos se estabelece a forma pela qual a satisfação do cliente pode ser introduzida na avaliação do desempenho dos processos - chave. Analisa-se à luz de casos reais de empresas fluminenses como a pesquisa do cliente tem dado resultados positivos de focalização dos processos na qualidade e como o conhecimento da missão pode afetar o desempenho.

 

Palavras-chave – Gestão da qualidade, satisfação do cliente, gestão de processos.

 

Abstract

 

This article presents some methodological guidelines to structure processes with focus on client oriented quality. By using the Business Plan as a basic criterion for prioritization of process values, some important elements of process management methodology are determined.

            From these methodological elements it is established a manner to introduce client satisfaction in the process performance assessment. With a number of cases from Rio de Janeiro industry it is analysed how client research has produced succesful results in focusing processes on quality and how misssion awareness can affect performance.

 

Key-words – Quality management, client satisfaction, process management



 

1. Introdução

Este artigo é dedicado à discussão de alguns dos processos mais antigos implantados num setor de vendas e aos cuidados a serem tomados para focalizá-los no cliente. Ele ilustra exemplos reais e casos de pesquisa conduzidos pelo autor. Baseado nos métodos apresentados em (Cortada et Quintella,93), concentra-se a atenção no passo inicial do método que preconiza a visão e missão compartilhadas. Analisam-se resultados de três investigações para verificar a falta de consciência da missão em situações de empresas em crise de competitividade em seus processos. O framework teórico aqui empregado baseia-se em um conjunto de autores clássicos e largamente aceitos no âmbito internacional. (Albrecht, 1985), (Bauer, 1992), (Czepiel, 1987), (Davidow, 1989), (Liswood, 1990), (Peters, 1987).

As atividades de um negócio podem ser encaradas como conjuntos de processos que precisam ser executados diariamente para que a firma seja bem-sucedida. 0 que se percebe prontamente é que existem certas funções que são fundamentais para o sucesso com os clientes (por exemplo: processos para receber pedidos ou para entregar bens e serviços) e outras que podem ou não ser importantes (por exemplo: processos administrativos para dirigir o seu prédio). Finalmente, você pode encarar os processos como muito eficientes e eficazes ou necessitando de muito retrabalho. Um setor de vendas que tenha pegado o vírus da qualidade encara as suas atividades como um conjunto de processos priorizados primeiro por sua importância e depois pela necessidade de replanejamento ou reengenharia.

Nenhuma empresa apresenta a mesma lista que outra e os processos das duas nunca têm as mesmas características. Neste artigo apresenta-se uma série de processos para ilustrar o conceito de que um conjunto de tarefas deve ser encarado como um processo. Tais processos  não são nem abrangentes nem colocados em ordem de prioridade. Todos eles, no entanto, são voltados para o exterior e focalizados no cliente. Os processos que são realmente voltados para o cliente aumentam as oportunidades de oferecer bens e serviços da maneira certa na primeira vez, garantindo, com isto, novos negócios e alta satisfação do cliente. Muitas empresas acham que, mesmo na melhor hipótese, "fazer certo da primeira vez" só acontece 80% das vezes. Vinte por cento das vezes tem-se que lidar com reclamações, devido a erros nos processos. (Este tema das reclamações será tratado em artigo subsequente.)

Se a empresa tiver começado a trabalhar nas medidas e na organização, os tipos de processos descritos abaixo provavelmente serão as próximas atividades a serem melhoradas.

 

2. Processos Ligados aos Planos de Negócios

 

Na definição do conjunto de processos, há muito a ser dito a favor da técnica de abordá-los da mesma maneira que se faz com orçamento base zero. Basicamente, uma vez que um processo é identificado, pergunta-se qual a sua importância para o objetivo do negócio. Se não for muito importante, o processo é passível de eliminação. Se for fundamental, é estudado, constantemente aperfeiçoado e medido em termos de eficácia. Por exemplo, suponhamos que se trate de uma agência imobiliária com quinze agentes. Depois de mapear todos os processos importantes, descobre-se um pequeno processo utilizado para arquivar informações sobre agências imobiliárias em outras cidades. Há alguns anos isso era feito caso a sua agência tivesse que recomendar outras imobiliárias para os seus clientes que estivessem se mudando para uma outra cidade. Hoje, como a agência está ligada a uma rede nacional via computador; não é mais necessário esse arquivo de papéis, raramente usado e fora de moda. Conseqüentemente, a coleta manual de dados é interrompida mas se garante que um processo análogo informatizado passe a atender às necessidades atuais de seus clientes.

As abordagens de base zero utilizam relatórios ultrapassados. Um exemplo comum em vendas é o relatório de atividades de venda: publicado de um a três meses depois de sua ocorrência. Os relatórios de despesas geralmente são um outro bom exemplo, uma vez que são feitos 45 dias depois de as despesas terem ocorrido. Um processo melhor seria o de criar um sistema de relatórios mais ágil que  forneça dados sobre os gastos do mês anterior, no primeiro dia útil  do mês seguinte.

Contudo, para conseguir implantar essa ligação entre processos e plano de negócios é necessário seguir  uma metodologia que será apresentada em seguida de maneira simplificada por meio de um conjunto de regras simples. 

 

3. Regras para Usar o seu Plano de Negócios para Estabelecer Prioridades quanto ao Valor do Processo

 

            As abordagens de base  zero por si só não ajudam a definir o que é importante. Mais fundamental é ter uma estrutura de referência com a qual se possa medir quais são os processos mais importantes e eficazes. A melhor maneira de se obter essa estrutura de referência é ter um plano de negócios em relação ao qual se possa medir todas as atividades. Essas atividades que apoiam o plano de negócios serão mantidas e aperfeiçoadas e as que não o fizerem serão eliminadas. O plano de negócios necessita de vários elementos básicos, no entanto, seria útil nas abordagens de prioridades de base zero que as seguintes regras fossem sempre seguidas:

 

3.1 O plano de negócios deve ter uma visão e uma missão para servir de orientação às decisões de marketing

 

Isto porque nenhum plano de negócios é suficientemente detalhado para abranger todas as atividades. Se os empregados tiverem uma visão de para onde a firma está indo, sua missão clara e quais são seus valores,(por exemplo: satisfação total do cliente) terão um ponto de referência para agir de acordo com ele num ambiente de delegação de poderes. Eles podem então tomar decisões com mais confiança.

 

3.2 O plano de negócios tem que incluir afirmações específicas sobre missão e metas

 

            Isto porque os empregados vão querer (com todo direito) se certificar de que existe um processo para apoiar o alcance de todas as metas. Como a medida do progresso em relação às metas é um aspecto tão importante nas abordagens da TQM, ligar os processos às metas e à missão é fundamental.

 

3.3 Os processos devem ser encarados como um conjunto de ações táticas que implantam eficientemente o plano de negócios e também como atividades de rotina executadas diariamente como elementos do seu negócio.

 

Por exemplo, se a meta é aumentar as vendas em 7% e o plano para implantá-la inclui um aumento de 2% no pessoal, pode ser necessário  um processo de treinamento para preparar pessoas para essa função. Uma vez que a rotatividade é sempre um problema, o treinamento teria que ser feito no ano em questão e em vários anos subsequentes. Dessa maneira é recomendável criar um processo de treinamento que exista como parte rotineira do negócio, suportando a missão e as metas.


 

3.4 Tudo está em mudança, portanto é preciso que haja uma maneira estruturada de revalidar a importância dos processos e medir a sua eficácia.

 

É aí que o conceito de utilizar o processo como a avaliação de desempenho típica do Prêmio Baldrige vem bem a calhar. Transformar medidas estatísticas de avaliação em um processo fará com que se possa saber se está havendo melhoria contínua. As auto-avaliações juntamente com as medidas de desempenho através de indicadores embutidos dão a um setor a possibilidade de ligar as atividades e os processos ao plano de negócios. Na verdade, a abordagem Baldrige requer que, em primeiro lugar, exista um plano de negócios ligado a uma visão de futuro de uma empresa e de sua missão nesse futuro, para que todas as atividades possam ser avaliadas.

 

 

4.      O caso Xerox

 

A abordagem que a Xerox faz dos seus representantes de venda ilustra todos os quatro pontos. A Xerox quer que todo o seu pessoal de campo entenda e satisfaça os requisitos dos clientes de tal maneira que a firma também lucre e aumente a sua fatia de mercado. Estes objetivos devem ser atingidos através da qualidade nas vendas. A Xerox definiu seis conjuntos de processos para conseguir qualidade nas vendas: treinamento, sistemas de apoio, instrumentos e medidas, comunicação, conduta e atitudes da gerência, reconhecimento e recompensas.

Dentro de cada uma dessas famílias de processos existem outros definidos mais explicitamente. Por exemplo, sob o título de conduta e atitudes da gerência, a firma possui processos para transmitir histórias de sucesso, administrar para obter resultados, organizar mesas-redondas, publicar boletins e elaborar estratégias de comunicação da qualidade referentes à unidade e representante de vendas. Espera-se que todas essas atividades estejam presentes na unidade e filial de vendas e na corporação.

Observamos em entrevistas conduzidas em processos consultivos, em pesquisas de campo e em treinamentos na Xerox, que havia uma permanente preocupação em manter viva a consciência da missão associada a cada um dos processos, bem como o alinhamento estratégico dos mesmos ao plano de negócios. O estudo da Xerox, feito em diversas ocasiões pelo autor, levou à identificação da oportunidade de estudar-se  as questões ligadas à competitividade dependentes do grau de disseminação da missão em outras empresas.

O papel da Xerox neste caso foi de fornecedora de um paradigma gerencial e de norteadora de métodos de pesquisa empregados. Em todas as situações estudadas a Xerox apresentou uma alto grau de disseminação e buy-in da missão, daí decorrendo seu sucesso e competitividade.

 

 

5. Breve análise da consciência da missão em empresas fluminenses

 

Para avaliar o grau de competitividade das indústrias fluminenses testou-se neste artigo o grau de conscientização para a missão, sua associação com os processos e o alinhamento estratégico dos processos ao plano de negócios. Este ítem é apontado como um fator crítico de sucesso  por vários autores (Daniels et Daniels, 1996), (Quigley, 1994), (Quintella, 1988), por isso realizaram-se as investigações reportadas em (Medeiros et Quintella, 1998) (A), (Quintella et Pinheiro, 1998) (B)  e (Quintella et Oliveira, 1999) (C).

Na primeira investigação (A) estudou-se uma empresa W do setor de indústria química que estava tentando implantar um programa de qualidade, mas que passava por grave crise em seus processos-chave que resultava em perda de competitividade relativa, momentânea e geograficamente limitada. Nas entrevistas que cobriram mais de uma centena de colaboradores em uma planta na baixada fluminense, identificou-se um padrão forte de resistência às mudanças. Um dos motivos encontrados era o baixo nível de conhecimento da missão por um grande número de funcionários. Por outro lado, entre os poucos funcionários que conheciam a missão identificou-se que o nível de buy-in era baixo. Concluiu-se a partir desses fatos que era possível atribuir-se como um dos fatores (mas não o único) da perda de competitividade dessa empresa em seus processos a falta de consciência da missão.

Na segunda investigação (B) estudou-se  um conjunto de três empresas XB, XC e XD, de grande porte, fluminenses, cobrindo uma amostra de mais de 200 pessoas  para avaliar-se o grau de relação entre motivação, produtividade e processos de avaliação de desempenho.  As três empresas estavam com grau de competitividade inferior em relação à IPIRANGA que foi usada como benchmark. Essa empresa se encontrava, na ocasião, em alto grau de competitividade e grande crescimento no mercado dos produtos em estudo.  Nessa circunstância constatou-se também que 86,2% dos seus funcionários entrevistados demonstravam conhecer a missão e os objetivos e metas da empresa.

Nas três empresas que estavam com problemas momentâneos na eficiência de processos e perda de competitividade, apenas 34,7% das pessoas pesquisadas conheciam os objetivos e a missão. Também pode-se depreender deste caso, que além de outros fatores, a falta de consciência da missão e dos objetivos explica a perda de competitividade.

Na terceira investigação (C ) estudou-se um conjunto de  empresas entre as quais estavam: IBM, Alcoa, Promon, Eletronorte e Cia X. Para confirmar alguns resultados entrevistaram-se empresas de consultoria que atuaram nas mesmas, entre as quais estavam: RMOTTA, IBM Consulting, SMS, FGV, Ernst & Young e Andersen. Em ambos os casos a hipótese de que as cinco empresas compartilhavam sua missão e objetivos com os empregados não foi confirmada. Dessa forma, nesse grupo de empresas, o fenômeno da perda de competitividade em processos também apresentava, entre  outros motivos, a falta de consciência e compartilhamento da missão e dos objetivos. Essa investigação, em particular, teve uma confirmação de peso obtida pela confrontação com as opiniões imparciais das consultoras em ação nas empresas em estudo. 

 

 

6. Conclusão – como os processos afetam a satisfação do cliente pela falta de consciência da missão

 

Mais importante do que implantar os quatro pontos da metodologia é o ato de avaliar o desempenho em relação ao que satisfaria e superaria as expectativas do cliente. Num âmbito mais geral trata-se de oferecer o que o cliente espera. Em outras palavras, os clientes querem que os processos satisfaçam necessidades e desejos.  Nos casos em questão havia perda de competitividade porque  os processos que lidam diretamente com o cliente estavam com desempenho baixo.  Em particular, o nível de satisfação dos clientes estava em baixa no momento.

Este artigo reuniu um conjunto de evidências pontuais de três investigações independentes que permite concluir que a falta de consciência da missão está presente em todos os casos estudados de perda de competitividade, ainda que momentânea. Apesar de a amostra ser pequena, pode-se propor como conjectura plausível que a falta de consciência da missão está sempre presente nos momentos de perda de competitividade das empresas. Em particular, é conjectura também plausível e interessante hipótese de trabalhos futuros, que a falta de consciência da missão é causa importante de perda de competitividade. 

 Em artigos subsequentes pretende-se estudar outros aspectos de processos focalizados no cliente, relacionados com a metodologia aqui apresentada, bem como estender-se a presente pesquisa a uma amostra maior de empresas.


 

Bibliografia

 

1.(Cortada et Quintella, 1993) Cortada, J., H. Quintella, TQM – Gerência da Qualidade Total, São Paulo, Makron Books, 1993.

 

2.(Daniels et Daniels, 1996) Daniels, J.,  N. Daniels, Visão Global, São Paulo, Makron Books, 1996.

 

3.(Quigley, 1994) Quigley, J., Visão, São Paulo, Makron Books, 1994.

 

4.(Quintella, 1988) Quintella, H., Argumentos, missões organizacionais e planos de vida em modelos participativos: Adizes e Z3, Recursos Humanos e Sociedade, ano III, num 6, dez 1988, São Paulo, Cortez ed., 1988.

 

5.(Medeiros et Quintella, 1998) (A),  Medeiros, M., H. Quintella, Competitividade, tecnofobia e resistência à mudança, Tendências do Trabalho, num 281, jan. 1998, pgs 16 – 19, Rio de Janeiro, SUMA ECONÔMICA, 1998.

 

6.(Quintella et Pinheiro, 1998) (B) Quintella,H., A . Pinheiro,  Motivação, produtividade e avaliação de desempenho, Tendências do Trabalho, num 282, fev. 1998, pgs 16 – 19, Rio de Janeiro, SUMA ECONÔMICA, 1998.

 

7.(Quintella et Oliveira, 1999) (C) Quintella,H., J . Oliveira,  Uso de indicadores de desempenho nas empresas brasileiras como um sistema de gestão integrado, Tendências do Trabalho, num 294, fev. 1999, pgs 24 – 27, Rio de Janeiro, SUMA ECONÔMICA, 1999.

 

8. (Albrecht, 1985)    Albrecht, Karl, e Zemke, Ron, Service America! Doing Business in the New Econom, Homewood, Ill.: Dow Jones-Irwin, 1985.

 9. (Bauer, 1992)     BAUER, Roy A., Collar, E., e Tang, V., The Silverdale Project: Transformation at IBM, New York: Oxford University Press, 1992.

 

10. (Czepiel, 1987)   CZEPIEL, John A., et al (eds.), The Service Challenge: Integrating for Competitive Advantage, Chicago: American Marketing Association, 1987.

 

11. (Davidow, 1989)  DAVIDOW, William H., et al., Total Customer Service - The Ultimate Weapon, New York: Harper and Row, 1989.

12. (Liswood, 1990)    LISWOOD, Laura A., Serving Them Right: Innovative and Powerful Customer Retention Strategie, New York: Harper and Low, 1990.

13. (Peters, 1987)  PETERS, Tom, Thriving on Chaos, New York: Alfred A. Knopf, 1987.

14. (Shaw, 1978)  SHAW, J.C., The Quality-Productivity Connection in Service-Sector Management, New York: Van Nostrand, 1978.